quinta-feira, 25 de abril de 2024

Harmonia Modal 2: Os acordes por Quartas

 

Por Marcello Ferreira Soares Jr


Oi pessoal, antes de começar sugiro ao leitor que leia o artigo anterior sobre Harmonia Modal (LINK).


A maior parte da música que ouvimos geralmente segue preceitos da música tonal: melodias baseadas numa escala maior ou menor, com acordes construídos a partir de terças sobrepostas. Esses acordes de terças têm dentro do contexto tonal funções claras de tensão e relaxamento.


Nesse texto, escrito com muito "sazón", irei usar como base diversos autores, mas com ênfase em Vincent Persichetti e Frederick Pease. Além de anotações pessoais


Em outros contextos como a harmonia modal, o atonalismo e o Pantonalismo tentam contornar essa lógica. Uma das ferramentas utilizadas com mais frequência são os chamados “Acordes por Quartas” ou “Acordes Quartais”. Eles são acordes construídos com intervalos quartas justas sobrepostas: Esses acordes normalmente apresentam uma sonoridade ambígua, pouco identificável em termos funcionais. Por isso, são excelentes para alguns tipos de composição modal. Principalmente, no Jazz e estilos mais experimentais (progressivo, trilhas sonoras, música eletrônica, Ambient Music ou alguma canção da Bjork).

 

Os acordes por quartas não foram uma novidade do século XX. Eles eram bem conhecidos na música tonal e modal. Os acordes por quartas podem ser encontrados identificados em corais de J. S. Bach como resultado de ornamentações de acordes, também podemos encontrá-los em composições polifônicas medievais como engendramentos contrapontísticos.


Por que usar?


Os acordes por tríades quando usados para harmonizar uma melodia modais demandam atenção e cuidado para não “cair” na sonoridade tonal (maior e menor). Isso ocorre porque os acordes triádicos com dissonâncias (por exemplo 7º e 9º), pois em muitos casos esses acordes contêm o trítono que “chama” a tônica maior e menor.


Vamos observar a seguinte situação:


Partindo do nosso foco: elaborar uma harmonização para minha composição modal que fuja da sonoridade tonal.


Para isso, resolvi tentar utilizar como ponto de partida os acordes sobre as tônicas dos modos e para dar um tempero modal aos acordes irei incluir na estrutura desses acordes as Notas Características [NC] (ver artigo anterior LINK).

Na ânsia de querer ser o original numa prática que por baixo deve já ter uns mil anos. Não observei o óbvio: as NC dentro dos acordes sobre a tônica do modos geram o trítono que “chama” uma resolução na tônica tonal da escala maior que deu “origem” ao modo. (ver artigo anterior LINK).

Mas, e agora? Quem poderá me defender?


Os acordes por quartas!


Os acordes por quartas são resultado da sobreposição de intervalo que o classifica, o intervalo de 4º. Nele todos os intervalos internos se encontram equidistantes, dessa forma, é inviável definir um modo (maior ou menor); definir uma fundamental ou uma função dentro da harmonia tonal para esse acorde.

Essas características tornam esses acordes um elemento fundamental para seu uso na harmonia modal. De acordo com Persichetti:

A indiferença dessas harmonias sem fundamental  para com a tonalidade coloca todo o peso da análise “tonal” na voz que possui a linha melodia mas ativa”. (Harmonia no Século XX - Aspectos Criativos e Prática. Pág 80) 

Essa observação de Persichetti sedimenta algo que nunca deve ser esquecido na composição modal: a concepção da harmonia vem sempre depois da melodia! 

No artigo anterior sobre harmonia modal destaquei a importância primordial da melodia nesse tipo de composição.

Em seu texto sobre os acordes por quartas (com três notas) Persichetti classifica os acordes pela distribuição dos intervalos de 4º justa e 4º aumentada dentro do acorde. Assim temos três tipos

:

  1. Formados por duas quartas justas: justo-justo;

  2. Formados por uma quartas justas e uma quarta aumentada: justo-aumentada;

  3. A inversão da ordem anterior: aumentado-justo.

A partir daqui irei me deter um pouco sobre o primeiro tipo justo-justo para fim didáticos com o objetivo de facilitar a compreensão dos conceitos.


Características

  • O acorde por quartas, mesmo invertido, irá sempre manter um  intervalos por quartas em sua estrutura.

  • Já os acordes com mais notas  (4, 5 notas ) irão manter mais de uma relação de intervalos por quartas em sucessão ou sobreposto.

  • Cada disposição da inversão irá apresentar uma gradação diferente de suavidade e aspereza na sonoridade do acorde. Sendo os acordes mais abertos de sonoridade suave e os fechados mais ásperos.


Manuseio

Não há restrição a duplicação de qualquer nota que compõem um acorde por quartas.

  • Sendo que as duplicações de notas internas geram riqueza harmônica ao som do acorde;

  • Já as duplicações de notas extremas (baixo ou soprano) reforçam ou destoam da nota da melodia. A dissonância em relação à nota da melodia pode ser um mecanismo de “charme” para sonoridade de sua composição.

Podemos elaborar uma espécie de campo harmônico com acordes por quartas. Sobrepondo esse modelo de construção de acordes sobre as notas de um modo. Em minha prática costumo utilizar os acordes do tipo justo-justo, alterando cromáticamente seus intervalos internos para assegurar o formado de sobreposição de 4º justas.

Construí um campo harmônico sobre o modo C mixolídio, basicamente, os acordes usam notas contidas na escala que serve de base. O quarto e o sétimo acorde sofrem alterações cromáticas, nota Mib no soprano do quarto acorde e as notas Mib e b no sétimo acorde. Isso ocorre para manter o padrão justo-justo.

Os acordes de quarta apresentam uma ressonância própria quando são constituídos por 4 notas diferentes. Uma forma de usar esse atributo é criando “sequências de acordes” com um único acorde por quartas por meio de inversões. A sensação de movimento surge graças a variação da fundamental do acorde e a distribuição dos intervalos internos.

        

Os acordes por quartas são perfeitos para desestabilizar nossa sensação harmônica tonal. Mas isso não quer dizer que ele vai nos remeter ao modal. Para utilizá-lo de forma convincente no universo modal é necessário utilizar um dos pilares técnicos do modalismo, o baixo pedal sobre a tônica do modo. Esse procedimento servirá de imã para nossa atenção. 

No exemplo abaixo, temos uma melodia construída sobre D dórico harmonizada com um sequência de um único acorde por quartas sobre a tônica do modo (Ré).  

Vamos ouvir o trecho primeiro sem a nota pedal (Link) e em seguida com a nota pedal (Link).

Notem a diferença sutil de “gravidade” ao redor da tônica do modo mesmo com o efeito de suspensão provocado pelo acorde de quarta. 

Algo interessante para trocar o modo usado na melodia é a suspensão desse pedal por algum tempo. Os acordes por quarta irão assumir sua natureza de desestabilizadores da sensação tonal, e será possível passar de um pedal de um modo para outros. Vamos ouvir o exemplo abaixo. (LINK).

Usei o exemplo anterior e o completei com dois compassos apenas com acordes (os acordes dos compassos 4 e 3 respectivamente) sem nota pedal ou melodia e logo em seguida adicionei uma melodia em G mixolídio com um pedal com a nota tônica do modo. No exemplo, utilizei modos que apresentam as mesmas notas D dórico e G mixolídio (os dois são “declinações” de escala de C Maior), isso foi proposital para tornar a compreensão do processo mais simples. Minha sugestão de estudo é tentar fazer o mesmo com modos com notas que contenham notas diferentes, por exemplo, C dórico e D mixolídio e/ou utilizando um acorde por quartas ou um conjunto de acordes diferentes para cada modo.

Acordes “close-up” ou de aproximação

Sobre o uso de conjuntos de acordes, particularmente, creio ser bem prático o uso de acordes por quartas advindos de “campos harmônicos” ou utilizando um dica valiosa de Pease, os acordes “close-up” ou de aproximação (tradução livre).

Esses acordes de “aproximação” consistem em acordes que são avizinhados de um determinado acorde. Por exemplo, construímos nosso campo harmônico de acordes por quartas sobre o modo D dórico (nesse exemplo irei apresentar os três tipos de acordes por quartas propostos por Persichetti), o acorde sobre a tônica do modo terá naturalmente um vizinho acima e outro abaixo. Pease chama esses vizinhos de paralelos.

  

Para criar mais possibilidades, Pease sugere a alteração cromática desses acordes paralelos, os transpondo um semitom acima o acorde paralelo que está abaixo e rebaixa em um semitom o acorde paralelo que está acima. E ela chama esses acordes de cromáticos (nada criativo, né?).  

Com esses conceitos simples é possível produzir uma rede de relações de acordes vizinhos paralelos e cromáticos para todos os acordes de um campo harmônico de acordes por quartas.

Agora é só pôr mãos à obra!



Adendo: Acordes por quartas dentro da harmonia funcional


Já sabemos que os Acordes por quartas (AQ) não tem função tonal (tônica, dominante, subdominante) ou modo que o caracteriza (Maior ou menor), mas eles podem ser usados dentro da Harmonia funcional. Vou apresentar dois exemplos rápidos.


1. Ornamentação:


O AQ aparece em na harmonização como uma espécie de "acorde de passagem" resultado do movimento de vozes próximas na harmonia. Sua sonoridade produz uma suspensão. Particularmente, acho que soa bem numa cadência entre o acorde de subdominante ou acorde substituto da subdominante e o acorde de dominante:


No exemplo, estamos na tonalidade de F maior e temos uma cadência perfeita. O acorde substituto da subdominante vib7 (Ré com sétima menor) passa para um AQ. Esse AQ que poderia também ser analizado como um acorde de vib74add (Ré com sétima e 4º adicionada ou um acorde de V9º e 6º add sem a terça) que segue para o acorde de dominante. As vezes os AQ por resultarem dos movimento das vozes dentro e entre os acordes estão "escondidos" da música tonal.


Alguns tipos de acordes tonais se "relacionam" melhor com os AQ em termos de enlace das vozes.



Normalmente, os acordes de quarto notas de com sétima e nona sem a terça são os mais simples de ir e voltar para um AQ. Pois apenas necessitam de movimentar um só voz. Os acordes de sétima maior e menor já necessitam do moimento de suas vozes.


2. Acorde pivô em uma modulação.


Por ser ambiguo em qualquer tonalidade os AQ são excelentes como acordes pivô, principalmente, para tonalidades que não são vizinham no círculo das quintas.


O AQ torna a modulação "suave" no enlace dos acordes.


Também costumo usar o AQ para sair e entrar no tonal. Ou seja, numa composição modal ou serial faço um enlace com um AQ e sigo na harmonia tonal ou vice-versa. O divertido é experimentar e descobrir seus caminhos.


Bom, vou ficando por aqui. Espero que vocês tenham gostado e que seja proveitosa a leitura. Abraços


Referências:

Anotações pessoais.

Harmonia no Século XX: Aspectos criativos e práticos. Vicent Presichetti.

Jazz Composition: Theory and Practice. Frederick Pease.

Materials And Techniques Of Twentieth-Century Music. Stefan Kostan

Thesaurus Of Scales And Melody Patterns. Nicolas Slonismsky

Modal Jazz: Composition and Harmony. Ron Miller.


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