quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Lenine – O Dia em que Faremos Contato [1997]

Lenine – O Dia em que Faremos Contato [1997]

Diz um ditado que uma vez que aceitamos um pedido, este tornasse uma obrigação. Mas isto é algo simples a ser esclarecido no final.

Bem, estes dizeres populares têm o poder de afetar nossa realidade com uma força que nenhum tratado acadêmico filosófico têm. Talvez pelo fato de que estes ditados sejam imbuídos de uma sabedoria empírica que é posta à prova todos os dias, que após superar este “laboratório do cotidiano” alcançam sua forma final com a beleza exótica e/ou comum e também a atemporalidade que apenas é possível existir nas faces de uma raça mestiça como a nossa.

Querido leitor, sou sincero quando digo a vocês que grande parte da música da MPB nunca foi minha preferida. Mas graças aos Deuses e Orixás a música de nossa nação mestiça é imensa e variada, e nos concedem gratas prendas de tempos em tempos. Tudo que escrevi no neste e no primeiro parágrafo serve para expressar minha humilde opinião sobre O Dia em que Faremos Contato do Lenine.

Nosso amigo pernambucano que tem nome de revolucionário operou neste seu terceiro álbum uma bela renovação na canção contemporânea nordestina [ou nossa MPNE]. Talvez seja ousado de minha parte, mas depois daquela geração dos anos 60/70 [que tem em sua galeria os geniais Elomar; Xanguai; Vital Farias; Geraldo Azevedo. Os transgressores Lula Cortez e Zé Ramalho. O energéticos Alceu Valença. A comuna artista dos Novos Baianos e os resgatadores do Quinteto Armorial], Lenine e Chico Science foram os grandes embaixadores da musica nordestina para os jovem ouvidos pós anos 80/90.

Com uma diferença básica entre os dois, Chico Science foi a Blitzkrieg Cangaceira, pegou todo mundo de assalto! E quando alguém tentou entender o que estava acontecendo, os batuques, guitarras distorcidas e linhas vocais que flertavam com a torrente de versos do rap, já tinha feito todo mundo se render. Infelizmente, não houve tempo vital para Chico dá o próximo passo qualitativo. E é aqui que Lenine entra! Com “O Dia em...” ele fincou a bandeira do novo e abriu a estrada da “contemporaneização” [esta palavra não existe na língua portuguesa!! Mas e daí, eu falo brasileiro!!..rsr] da canção popular nordestina.

Após a “limpeza do terreno” temos a nova “plantação”.

Neste ponto alguém pode grita lá no fundão: mas a música dos dois tem “pouco” haver. Na superfície isso pode parecer verdade, mas as duas têm a música popular e folclórica como cerne comum [e isso esta bem aparente na superfície], além disso, os dois buscaram na adição de elementos contemporâneos [isso em termos de década de 90] uma sonoridade que trouxesse a canção nordestina para os anos 90 e abrir a estrada para a década seguinte.

Foi bem difícil escolher duas ou três musicas para comentar, pois ao escutar O Dia em que Faremos Contato, uma impressão me veio à cabeça: este é um ótimo time que joga no coletivo, o famoso Futebol Association. Pois os elementos estéticos e musicais convivem aqui numa simbiose tão intensa que é difícil até imaginar se estas canções não foram compostas já com todos os arranjos numa só tirada.

O álbum já começa de forma curiosa e porque não poética, quando o menino cantador relata sua biografia, que de certa forma pode ser uma biografia onírica do próprio Lenine e todo bom compositor popular.

Os sintetizadores e percussões da introdução de “A ponte” que vão tomando corpo e densidade abaixo da melodia sincopada que balança como a água debaixo da passagem elevada. Escutem e depois se perguntem esta canção poderia ser diferente? Ela é nitidamente nordestina: modal, sincopada, circular. Mas é moderna: tímbrica, dinâmica, multifacetada.

“A ponte” é um palimpsesto musical. O palimpsesto era uma técnica antiga para ser reaproveitar pergaminhos de couro animal para escrita de novos textos, o pergaminho era raspado e o texto antigo ficava menos nítido, com a repetição deste processo, os textos se confundiam com o tempo, não se sabia o que havia se escrito antes ou depois. Assim é a sonoridade desta canção, onde o moderno parecer dominar a superfície, mas o tempo o tradicional surge e se confunde com o novo.

Notem a curiosa passagem onde duas linhas vocais são sobrepostas numa montagem o menino cantador e outro canto que não conseguir identificar, ao que me parece é outra língua [se alguém que tenha esta informação – que deve acredito esta no encarte – me ajude!!], são melodias diferentes em línguas diferentes, temos aqui praticamente um moteto medieval, onde melodias de canções diferentes [mas que tinham em comum o mesmo modo ou de forma moderna a mesma tonalidade] eram sobre postas sem o menor escrúpulo, criando uma textura de sons intricada e fascinante. Além claro da politextualidade.

Esta sensação perpassa toda escuta do álbum, mas sem parecer forçado ou “experimental” [detesto este termo em música]. “O Dia em...” é elegante e visceral, realista e fantástico, como “Candeeiro Encantado”, notem o arranjo onde a seção rítmica dos violões e percussões se misturas sem grandes choques, e como este arranjo divide espaço e transmuta para outro arranjo com a mesma construção rítmica, mas de sonoridade diferente [com a guitarra distorcida, batida triphop e sintetizadores, além deu um colagem de áudio], fique atento pois você pode perder o momento em que a o arranjo muda novamente. É tão sutil que e inteligente que é o tipo de coisa que sempre coloca um sorrido na minha cara feia.

Depois vem “Etnia caduca” com uma estrutura de Soul Music, dançante e cheia de pequenas variáveis rítmicas. Elementos estéticos um tantos distantes parecem juntos sem conflitos, o acordeon com sabor porteño na quase valsinha que é canção de saudade “Distante demais”.

Bom, poderia passar muito tempo escrevendo sobre este álbum, mas prefiro dá uma sugestão: reúna os amigos num domingo de sol com uma cervejinha e escutem “O Dia em...” , apreciem, acredito que vocês poderão tirar conclusões bem mais interessantes que a simples analise de minha escrita, como também aguçar suas percepções [além de ser mais divertido e também quero ler os textos de vocês...rsr]. A música de O Dia em que Faremos Contato é nova sem esquecer seus traços tradicionais, tem sabor regional e roupagem universalista, visceral e requintada, sem ser uma espécie de remendo, é uma música índia, cafuza, branca, negra, mulata, é mestiça! É boa interessante e vale ser ouvida.

Então amigos, admito que esteja meio enferrujado depois de tanto tempo sem escrever no Blog, mas vou tentar vir em melhor forma no próximo texto e tentar não ficar tanto tempo em “silêncio”.

Sobre o ditado do começo do texto, aqui estou [tentando] “pagar” o pedido de Nilton Ribeiro do Blog Os Surtados.

Abraços à Todos.

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