sábado, 4 de novembro de 2017

A Música e Reforma Protestante de Martin Lutero.

Organizado por Marcello Ferreira Soares Junior

O movimento reformista cristão iniciado do século XVI, foi deflagrado pelo Martinho Lutero como um protesto contra diversos pontos da doutrina da Igreja Católica. Lutero propôs uma reforma no catolicismo. Os princípios fundamentais da Reforma Protestante são conhecidos como os Cinco Solas. As ideias de Lutero, apesar de combatidas, estenderam-se pela Suíça, França, Países Baixos, Reino Unido, Escandinávia e algumas partes do Leste europeu, principalmente nos Países Bálticos e na Hungria. O resultado da Reforma Protestante foi a divisão entre os católicos romanos e os reformados ou protestantes.

Uma das contestações de Lutero contra a Igreja de Roma (1519) era com relação à música. Lutero pretendia que a assembleia dos fiéis voltasse a participar do canto dos hinos litúrgicos, e não apenas assistisse, passivamente, como ocorria nas "missas-concertos" da época, isso se dava, pois a complexidade da polifonia dos motetos e ordinários da missa só podiam ser cantados por coros profissionais.

Por que Lutero dava tanta importância para música? Para Lutero a música tinha um papel primordial na educação e formação ética da congregação (Doutrina do Ethos ou dos Afetos de Platão adotada pelos pensadores cristãos), seu desejo era ter novamente uma congregação que participasse unida e ativamente dos cultos e a música seria o laço que os uniria.

Havia alguma convicção pessoal? Sim! O próprio Lutero foi um grande conhecedor e amante da música de seu tempo (admirador do compositor flamengo Josquin De Prez), cantor, compositor. Além disso, Lutero também se apoiava na própria história da música dentro do catolicismo. A música foi uma ferramenta essencial para a difusão e propaganda da fé católica na cristianização da Europa (a música também será usada nas Américas pelos jesuítas).

Para Lutero era necessario uma "nova música", para ele mesmo os hinos com base no canto gregoriano eram considerados inadequados para os fiéis, pois os textos em latim criavam uma barreira intransponível para o entendimento do texto cantando. Assim os textos em latim foram adaptados ou substituídos por novos por textos em alemão (apesar disso, Lutero considerava o latim um elemento importante na educação dos jovens). Mesmo com a cisão a liturgia, a fé luterana conservou grande parte da herança católica, assim como muitos aspectos da música católica (cantochão e polifonia).

Lutero e seus colaboradores [Walther, Rupff] decidiram estabelecer um repertório de hinos, em língua alemã, para a nova igreja nascente. O grande objetivo era estabelecer o canto coletivo da congregação, o Choralgesang, mais tarde, Choral. Em 1526, Lutero publica Deutsche Messe (missa alemã), era uma adaptação do ordinário da missa católica que sofria algumas alterações (por exemplo, o Glória era omitido) cantando e adaptado para língua alemã. Apesar desse documento Lutero nunca teve a intenção de uniformizar o ordinário, era muito comum ainda se ouvir motetes em latim.

A forma musical consagrada pela Reforma foi o coro luterano. Ele é um hino estrófico de rítmica bastante uniforme para ser cantando sem grandes dificuldades pela congregação em uníssono (Choral ou Kirschenlied), sua concepção tem como base o cantochão e as canções populares da época compostos apenas pelo texto e a melodia. Graças a essa forma condensada sua estrutura poderia ser enriquecida com harmonizações (por exemplo, os arranjos para corais de J. S. Bach) ou contraponto. Em 1524, foram publicadas quatro coletâneas de corais destinadas as congregações, nessas publicações temos apenas a melodia sem acompanhamento.

Durante esse período de renovação havia um incessante busca por melodias que se encaixassem com as demandas do pensamento luterano. Ocorreram muitas adaptações tanto de melodias da tradição católica (O hino Veni Redemptor gentium foi transformando em Num Komm’ der HeidenHeiland) e a composição de hinos inéditos como Ein’ feste Burg ist unser Gott atrubuida a Lutero.


Os primeiros compositores de corais foram: Johann Walther (1496-1570), Ludwig Senfl (1488-1543), Matthias Greiter (c. 1500-1550), Hermann Finck (1527-1558), Hans Leo Hassler (1564-1612), Michael Praetorius (1571-1621) e tantos outros. Muitos corais são adaptações (CONTRAFACTA) de canções populares, canções profanas (inclusive dos goliardos e dos Minnesänger), cânticos do repertório romano gregoriano e Geisslerlieder (cantos dos flagelantes).


Ouvir mais: 
Arranjo de J. S. Bach para Num Komm' der Heinden Heiland BWV 62.
Arranjo de Michael Praetorius para Num Koom' der Heinden Heiland

Referências: Grout, Donald j. Palisca, Claude V. História da Música Ocidental. Ed. Gradiva.

sábado, 19 de agosto de 2017

Olivier Messiaen e as teçi-tâlas da música clássica indiana.

Organizado por Marcello Ferreira Soares Junior

Aviso aos navegantes: Esse texto (rascunho) é bem antigo por isso dei uma repaginada.  Além disso, o objetivo original não era apresenta o assunto de forma profunda. Ele era apenas um atrapalho para uma cadeira da faculdade. Assim, observações e complementos são bem vindos. 

Espero que ao tirar o texto da gaveta que ele ao menos sirva para alguém como uma introdução ao tema. 

Sugestão: caso você queira se aprofundar mais no assunto do texto sugiro busque na internet alguma versão (dá para baixar em pdf) do livro "The Technique of my Musical Languague" de autoria de Messiaen.
Introdução
O objetivo deste texto é apresentar de forma rápida exemplos das idéias de manuseio rítmico de Messiaen inspirado no estudo das teçi-tâlas da música clássica indiana. Também de forma superficial apresentar algumas formas de aplicação utlzadas pelo compositor e, sua música. 

Iremos aqui nos deter a três aspectos básicos do ritmo em Messiaen (aspectos que marcaram a obra): os valores adicionados, a aumentação e diminuição do valor das figuras rítmicas e os ritmos não retrogradáveis.


1. Influência Oriental no ocidente musical do século XX.

O olhar para a cultura do oriente na Música Ocidental se tornou uma tendência a partir de século XIX até o início do século XX. Muitas vezes carregada de orientalismo essa tendência advinha inicialmente do gosto pelo exotismo que tanto dominava o imaginário dos compositores (e dos artistas) do período românticos. No inicio do século XX essa tendência foi motivada pela busca por novas idéias artísticas e musicais.

A busca por "novas ideias" vindas das culturas musicais distantes da europa ocidental, refletiu-se na adoção, na adaptação ou na abstração de técnicas e usos daquela música a estética ocidental. Podemos citar como exemplo o uso das escalas pentatônicas e adapatação  de estruturas rítmicas re rementem a música balinesa nas obras de Debussy tais como os Trois Nocturnes, Images pour orchestra e Pagodes para piano. 

Mais tarde, a influência dessas músicas não se resumiu ao campo da adaptação de técnicas e estruturas. John Cage buscou conceitos de tempo e espaço na cultura budista para forjar uma nova compreensão do tempo e espaço na música ocidental

Se debruçar sobre o estudo da música fora do espaço da cultura ociental se tornou costumeiro entre os compositores (Alois Habá e sua abordagem microtonalismo da música folclorica Hungara e dos balcãs ou Stockhausen conceitos de temporalidade do xintoismo e forma e expressão adapatados do teatro kabuki e noh japonês).

É importante colocar que muitos compositores resumiram-se apenas a extrair os aspectos que lhe pareceram interessantes para em seguida manuseá-los a sua maneira pessoal, em raros casos tivemos uma aplicação dos aspectos técnicos minimamente próximos a sua forma original. Uma antropofargia cultural.

2. Messiaen e as deçi-tâlas.

2.1. Importância do ritmo para Messiaen e o primeiro contato com as deçi-tâlas.

Numa conferência proferida pelo compositor em 1958, Olivier Messiaen [1908-1992] se referiu ao ritmo como: “... elemento essencial da música...”. Deste de muito cedo em sua carreira, o papel do ritmo foi um aspecto de essencial importância para Messiaen. Em seu período de estudos no Conservatório de Paris (1919-30), onde estudou com Maurice Emmanuel e Marcel Dupré, teve contato com estudos da rítmica e métrica da poesia clássica grega (conhecimento crucial para sua concepção musical). 

No mesmo período Messiaen fez outra descoberta de imensa importância, durante uma pesquisa na Encyclopédie de la Musique de Albert Lavignac encontrou uma reprodução do tratado Samgîta-ratnâkara sobre música do teórico hindu Sharngadeva. Nesta reprodução Messiaen encontrou uma tabela onde estavam relacionados 120 figurações rítmicas utilizadas na música indiana, as deçi-tâlas

A descoberta desta tabela e as informações sobre uso dos ritmos ali descritos, trouxe ao compositor novos caminhos para o uso do ritmo na estrutura do seu discurso música.

Durante toda sua carreira, Messiaen extraiu destes textos elementos para sua criação musical e elaborando técnicas que se tornaram famosas na obra do compositor, tais como: os valores adicionados e as técnicas de aumentação e redução rítmica.


2.2. O Samgîta-ratnâkara.

O texto de Sharngadeva é um dos mais importantes da música clássica do subcontinente indiano e é de valor imensurável para aquela cultura. A história da música indiana (ou sul da Ásia), é dividida em três grandes períodos: antigo (da antiguidade até o séc.13), medieval (séc.13 até o séc.16) e moderno (séc.16 nosso dias). 

Essa divisão de períodos é determinada pela natureza das fontes que os orientam como também pela sua correlação com eventos políticos e históricos. 

No período antigo as práticas da tradição musical eram transmitidas de forma oral ou através de manuscritos sem muita especialização (o estudo deste período é muitas vezes ligado à iconografia e a escultura). Esta forma de transmissão era cotidiana nas tradições da prática da sampradaya (esta formação de base na cultura oral também conhecida como tradição pura, a suddha sampradaya, ou a tradição de sucessão de mestre/discípulo, a gurusisya-paramparã), quanto os cânones teóricos (sastra1). 

Com o tempo a codificação dos cânones teóricos (sastra) tornou-se cada vez mais comum. Os textos tratavam de discussões técnicas (escritos em sânscrito e Tâmil) e passaram a ser cada vez mais divulgados e estudados. 

Desta tendência surge no séc. XIII, o samgîta-ratnâkara,  texto que é considerado não só um monumento teórico e documental da música indiana como também um divisor de águas histórico3

O samgîta-ratnâkara foi escrito entre 1210 e 1247 na cidade de Devagiri (atual Daulatabad) por Sharngadeva, este que era um brâmane originário da Kashimira. O texto compila as antigas doutrinas e do conhecimento musical da tradicional. Através do samgîta-ratnâkara as técnicas e maneirismos dos sastra foram transmitidos a vários escritores e teóricos. Chama a atenção no texto sua brilhante organização e articulação metodologica. 

No texto temos informações sobre os mais variados aspectos da prática musical desde técnicas para o manuseio dos instrumentos até aspectos teóricos e estéticos relacionados ao uso estético dos modos (ragas).

samgîta-ratnâkara alcançou tanta influência que a partir dele foram determinaods diversos aspectos e categorias da teoria musical do sul da Ásia. 


1 O termo sânscrito sastra designa um texto que contém uma definitiva exposição de uma doutrina de um campo do conhecimento em particular. Este tipo de texto é bastante difundido na cultura indiana, nas artes temos textos exemplares como natya-sastra que trata da teoria da dramaturgia indiana.
2 Língua dravídica, que é língua oficial no estado de Tâmil Nadu (anteriormente Madras, S.E. da Índia), também falada no Sri Lanka, Malásia, Cingapura e na Indonésia.
3 O samgîta-ratnâkara marca a passagem do período antigo para o medieval.


2.3. Aspectos da rítmica indiana e a influência na técnicas de composição de Messiaen.

O ritmo na música indiana difere da música ocidental tanto no aspecto estrutural quanto na forma que o ritmo é manuseado. Para ilustrar vamos apresentar alguns aspectos de como o ritmo e suas estruturas (métrica, divisão) da tradição do samgîta-ratnâkara.

O ritmo na música indiana está baseado numa segmentação de estruturas articuladas em vários níveis, podemos fazer um paralelo deste sistema de segmentação articulação formal da melodia na música ocidental (tema, frase, período). 

1. A Tala.

No nível mais alto deste sistema de segmentação está a tala. Podemos definir a tala como uma fixa e cíclica repetição de uma determinada “medida-de-tempo musical4”, onde dentro desta temos vários nível mais profundos de articulação5

Ao fazer umparalelo entre a tala e a célula rítmica dentro de um compasso ocidental temos que observar duas importantes distinções entre eles. 

Embora a ideia da tala esteja ligada a uma repetição cíclica de uma celular rítmica fixa. As talas muitas vezes se apresentam muito extensas se comparadas ao compasso da música ocidental. Assim muitas vezes esta extensão nos leva a designar a tala como um equivalente ao período formal. Esta particularidade em relação à variedade de extensão da tala esta ligada ao segundo aspecto distintivo entre o metro ocidental e o indiano. 

2. Tratamento das unidades de tempo.

O segundo aspecto de distinção é a forma de fixar e tratamento as unidades tempo nas duas tradições (a ocidental e da tala indiana), pode se explicado da seguinte forma: 

Enquanto na música ocidental dividimos de forma regular uma determinada unidade de tempo sempre em unidades de duração menor. Na música indiana as unidades são adicionadas ou subtraidas da duração da unidade de tempo, assim gerando uma unidade de tempo (ver figura a baixo). 

Na figura abaixo encontramos a mais conhecida técnica de manipulação do ritmo utilizada por Messiaen, a técnica de valores adicionados.

4 avarta ou avarttanam = ciclo.
5 De forma extremamente sucinta podemos descrever a segmentação rítmica indiana em três níveis: avarta ou avarttanam = ciclo; vibhag ou ariga = subseção do ciclo; matra ou natai ou laghu = unidade de tempo.






Exemplo 1.

No exemplo acima as diferenças entre os sistemas são visíveis. No sistema ocidental a unidade é subdividida em durações (usando normalmente os números 2 ou 3) cada vez menores e regulares em reelação ao valor inicial, assim o metro (ou compasso) onde esta unidade esta inserida permanece sempre constante e imutável. Já no sistema aditivo temos durações que são somadas à unidade gerando assim valores tanto simétricos quanto assimétricos (números pares e impares).

Talvez essa seja a principal característica assimilada por Messiaen no estudo das teçi-tâlas. Essa assimétria do ritmo é uma marca registrada na obra do compositor.

👀O balanço entre simétria e assimetria é um elemento comum na música indiana. 


Messiaen aplica as idéias aditivas e subtrativas na métrica ocidental para cria irreversível balaço assimétrico no metro e no ritmo.

Pra quê fórmulas de compasso?




Exemplo 2.
🔍Análise:
No exemplo acima, usamos a rangâbharana que é uma das 120 teçi-tâlas encontradas no tratado de Sharngadeva. Se tentarmos de encaixar esta teçi-tâla em fórmulas de compassos convencionais como 2/4 e 4/4 (b) obtivemos insucessos
Isso ocorre por causa do ponto de aumento na última semínima da célula que adicionando a esta ¼ do seu valor. Esta adição "corrompe" a estrutura convencional do compasso, tornando-o incompatível ao metro proposto na sua fórmula. 
Já com a fórmula composta de 9/8 (c) conseguimos encaixar a teçi-tâla, contudo a figura apresenta contratempos dentro da divisão internamente o compasso (a arsis ou “cabeça” do segundo tempo do compasso é suprimida com a segunda semínima), gerando uma divisão errádica em termos de uma divisão convencional6 do compasso. 
Nossas alternativas de encaixar a rangâbharana passam para o plano de combinação de fórmulas diferentes de compasso (d e e) onde obtivemos sucesso. 
Contudo geramos aqui uma descontinuidade, pois temos que sempre modificar a fórmula de compasso para “encaixar” as figuras rítmicas. Nesta condição temos que tratar com uma miríade de possibilidades diversas (e assimétricas) de divisão do metro musical. 
6 Por divisão convencional do compasso entendemos como aquela divisão onde temos exposta a percepção os tempos “fortes” ou principais de cada figura que divide o compasso, exemplo: numa formula de 2/4 temos a “batida” da primeira e da segunda semínima que compõem a divisão do compasso.
Estes tipo testes e as impossibilidades encontradas na tentativa de acomodar as fórmulas rítmicas das teçi-tâlas, provavelmente foram a fonte para Messiaen desenvolver técnicas como adição nas figuras rítmicas.
Outras técnicas adaptada por Messiaen foram a aumentação e diminuição rítmica. Estas técnicas consistem na soma ou subtração de durações a duração de uma determinada figura rítmica, dessa forma expandindo ou diminuindo a duração da figura. 
Ao observar a estrutura de algumas teçi-tâlas Messiaen pode ter constatado esta possibilidade técnica no manuseio do ritmo. Vejamos os exemplos extraídos da tabela de teçi-tâlas reproduzida no livro de Robert S. Johnson7 sobre o compositor.

Exemplo 3.
🔍No exemplo acima temos três teçi-tâlas que servem para exemplificar como Messiaen utilizou as técnica de adição. 
Na primeira figura do exemplo a temos a teçi-tâla ratitîla podemos observa que entre a primeira e a segunda temos um o aumento da duração da figura rítmica que serve de unidade (de colcheias para semininas) temos a adição de uma colcheia na duração de cada figura. 

Em b observamos a "aumentação" da duração de todas as figuras da célula rítmica inicial. operada através da adição de uma semicolcheia em cada uma das das colcheias e a adição d emais uma semicolcheia ao final da célula. 

Na figura temos uma espécie de "jogo" de adição e subtração. Esse jogo de adição/subtração ocorre tanto nas figuras rítmicas individualmente quanto nas células rítmicas8.
7 Messiaen. Univerty of California Press.1989. Appendix II 206-10 pp.

3. Ritmo não-retrogradáveis
Para finalizar, vamos conhecer o que Messiaen chamou de ritmos não-retrogradáveis (RNR). A ideia dos ritmos não-retrogradáveis é bem simples, eles são células rítmicas que apresentaram a mesma divisão original quando lidos de trás para frente. 

O RNR foi largamente utilizado na obra Messiaen com base para seu contraponto rítmico. Temos como exemplo mais icônico o Quatuor pour la fin du Temps
As três teçi-tâlas abaixo ilustram essa ideia dos ritmos não-retrogradáveis com clareza.

Exemplo 4.
🔍No exemplo as três teçi-tâlas apresentam ritmos não-retrogadáveis, mesmo com diferentes extensões temos a impossibilidade de variação partindo da inversão da ordem de leitura (Messiaen, adorava “O Charme das Impossibilidades”).
8 É interessante observar que o sistema de adição utilizado por Messiaen também utiliza pausas no processo de adição de valores em conjuntos de figuras rítmicas.



Bom, espero que tenham gostado! Grande abraço.




Referências:

India: (II) Theory and practice of classical music by Harold S. Powers. In Groves dictionary of music and musicians, vol. 8 91-125 pp.

GRIFFITHS. Paul. A Música Moderna: uma historia concisa e ilustrada de Debussy a Boulez. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor. 1987.

JOHNSON. Robert S. Messiaen. Los Angeles: University of California Press. 1989.

MESSIAEN. Olivier. The technique of my musical language. Paris: Alphonse Leduc. 1956.







terça-feira, 4 de julho de 2017

Notas sobre: Escrita Espelhada (Intervalos, modos, acordes) e algo sobre Harmonia Negativa.

                                                                                                        Organizado por Marcello Ferreira Soares Junior

Oi pessoal! Nessa postagem vamos abordar uma assunto pouco falado, mas muito interessante para composição e improvisação.

Algumas observações iniciais:

1. Esse texto não tem nenhuma pretensão acadêmica. É um texto informal;
2. Nos exemplos da primeira parte uso a clave de Dó para facilitar a observação do Dó centralizado; 
3. Quando estava publicando esse texto encontrei esse vídeo muito legal sobre o assunto a segunda parte do texto.    

Procurar formas organização diferentes para geração de possibilidades para modos e acordes é um exercício que todo aspirante a compositor fez em algum momento da vida. Principalmente, quando você quer sair um pouco do tonal sem cair no atonal.

Uma boa pedida é um recurso muito interessante  chamado de “Espelhamento”. Fui apresentado a esse recurso nas aulas de composição do Prof. Dr. Eli-Eri Moura. O professor gostava de conceder algumas informações (e exemplos) e deixar que nós experimentássemos a nova ferramenta por nossa conta e risco (já diria o Fleetwood Mac “Go Your Own Way”!). Mas sempre incentivados a ler algum capitulo do livro do Persichetti.

Bom, Esse texto não é uma aula e nem vai substituir um bom livro sobre o assunto. Prefiro pensa-lo como um primeiro passo. Por isso, serei o mais direto possível.

Espelhamento: Ato ou efeito de espelhar, de produzir reflexo como o do espelho. Na escrita esse engenho é chamado escrita especular.

Observemos a palavra Roma:   RomAmoR

Reproduzindo as mesmas letras num sentido contrário (tento a letra A como eixo), surge outra palavra. Claro, para aplicar de forma satisfatória escrita especular teremos que escolher bem a palavra para obtemos um resultado interessante.

Na música (particularmente nos modos) aplicamos - com algumas ressalvas - essa ideia sobre os intervalos na composição do contraponto. No contraponto modal/tonal essas inversões obedecem aos intervalos fixos da escala (claro, as vezes fugimos para dessa máxima para regar variedade ou uma modulação, mas são casos excepcionais). 

Por exemplo, num contraponto modal a duas vozes (voz 1 aguda e voz 2 grave) no modo Dó Jônico, iniciamos com um movimento clássico partido da nota inicial do modo:

- Sentido contrários (voz 1 ascendente e voz 2 decentemente) em grau conjunto.

Esse movimento irá obedecer aos intervalos do modo, nos quais, para alcançar a nota que está próxima ao Dó (I grau) por grau conjunto ascendente (II grau) “caminharemos” uma 2º maior. Já para alcançar a nota que está próxima ao Dó (I grau) por grau conjunto descendente (VII grau) “caminharemos” uma 2º menor. Isso ocorre, pois observamos de forma restrita os intervalos que compõem o modo Jônico.





Libertai-vos das amarras!!!

Ok, “vou chutar o balde”! Nada de seguir modelos de escalas para distribuir os intervalos numa inversão. Vou ser "curto e grosso" inverter os intervalos com as distâncias fixas se tenho uma 2º maior ascendente a inversão será uma 2º maior descendente. E vamos ver no que dá!!





Quando aplicamos esse raciocínio aos modos gregos, surge algo curioso! 

A inversão espelhada dos intervalos gera outros modos sobre a mesma nota inicial.

Pois, por apresentarem assimetrias na distribuição de seus intervalos, quando invertidos formam estruturas diferentes. 

Claro, como toda regra tem uma exceção o único modo com o qual não ocorre esse fenômeno é o Dórico (modo com intervalos simétricos). 

O modo Jônico, por exemplo, quando invertido de forma espelhada produz os intervalos do modo Frígio.




Dentro do contexto tonal, o que era Dó maior se tornou Láb Maior. Numa mera mudança de direção dos intervalos migramos para outro contexto tonal.

O mesmo ocorre com o Mixolídio que se transforma no Eólio (no exemplo, Dó Mixolídio em Fá Maior migra para Dó Eólio em Mib).  




Já o modo lídio quando escrito de forma especular se torna o Lócrio (no exemplo, Dó Lídio em Sol Maior migra para Dó Lócrio em Sib).  




Como falamos acima, a escrita especular não produz efeito de transformação sobre o Dórico, isso graças à simetria doa intervalos desse modo. Assim, mesmo escrito de forma especular o modo Dórico mantém a mesma ordem de intervalos.






No campo da produção de acordes a Escrita Espelhada (ou especular) pode nos auxiliar na geração de opções para acordes substitutos para harmonização. Por exemplo, vamos pensar numa aplicação básica com acordes formados por tríades.
  



Por exemplo, para harmonizar a nota dó (tonalidade de Dó maior) posso usar o acorde de Dó Maior (acorde que tem a nota dó como fundamental). Aplicando espelhamento posso gerar outra opção para harmonização (Fá menor empréstimo modal sobre o IV grau). 

Básico! 

Agora ampliando esse conceito para todas tríades que contém a nota dó na tonalidade de Dó maior. Utilizando a nota dó como eixo para inversões.Ou seja, a nota fica fixa e invertemos os intervalos ao seu redor. 




Na Escrita Espelhada em alguns casos a função dos graus e o modo dos acordes irá ser modificar.

Por exemplo: Tríade de Dó maior.

Escrita Espelhada: Dó (F) – Mi (III) – Sol (V) à Dó (V) – Láb (bIII) – Fá (F).

Expandindo minhas possibilidades!

Aplicando sobre o campo harmônico de Dó Maior a coisa toda vai ficando interessante! 

Voilá! Temos um campo harmônico ampliado à lá Bartok!  


Notem que muitos acordes resultantes são sobre as 4º ou 5º da fundamental do acorde inicial com o modo invertido (acorde maior que se torna menor), outros estão uma segunda menor acima ou abaixo da fundamental do acorde inicial.

Uma forma simples de estudo da aplicação tanto dos modos quanto dos campos harmônicos ampliados está no exemplo abaixo.





Partindo de uma melodia simples no modo Jônico utilizo o eixo (a nota dó) como ponto de partida para transformação do modo, gerando assim, tanto um novo material melódico quando um novo contexto tonal. Onde poderei explorar possibilidades harmônicas.



Toda essa brincadeira só com as tríades simples!

A coisa toda vai ficando mais “divertida” a medida que você passar aplicar a ideia de escrita especular sobre acordes com mais intervalos. 

Por exemplo, acordes com sétima, logo na primeira operação de escrita espelhada resulta num acorde que no contexto tonal está “distante” do acorde inicial (alguém vai perguntar, onde está a tabela com essas inversões? Bom, essa tabela eu deixo para vocês!).



Harmonia negativa

Bom, ultimamente se tem falado muito sobre o assunto, admito nunca ter dado muita atenção à matéria. Também admito que não li o livro do compositor e professor suíço Ernst Levy. Meu contato com as ideias de Levy, possivelmente (se não me falha a memória), foi através de alguma roda de discussão entre os colegas de faculdade. 

Aqui vou transcrever as anotações da época. O método visa ser uma alternativa a harmonia tonal ou uma expansão das suas possibilidades. Bem aplicado, ele produz um "arsenal" de acordes substitutos e alternativas modais.

Diferente da “escrita espelhada” que se baseia na simples inversão rígida dos intervalos de uma escala ou acorde, a chamada “harmonia negativa” (nomezinho mais feio!) tem como ponto de partida a teoria dos números positivos e negativos.



Os números se apresentam em posições rigidamente simétricas em relação a sua origem (ou eixo). Cada número positivo tem sua contraparte negativa. Tanto o número positivo X quanto o número negativo X estão localizados a uma distância idêntica em relação ao eixo, porém, em sentido contrário.

Partindo dessa ideia Levy elaborou a seguinte aplicação. Partido do circulo das quintas, ele estabeleceu que o intervalo de 5º justa seria “polos” localizados em sentidos extremos (positivo/negativo), em seguinte descrever um “eixo” entre esses extremos.

O “polo positivo” está no sentido horário e o “polo negativo” no sentido anti-horário. Nesse texto vou usar como polos Dó e Sol. Mas quaisquer relações do Circulo das Quintas podem gerar polos Ré/Lá, Fá/Dó, Mi/Si, Láb/Mib. Notem que sempre há uma relação entre a primeira nota do circulo e a nota em posição de dominante (vizinha imediata no sento horário).
    

Para descrever esse “eixo” o autor recorre às notas cromáticas entre os dois “polos”. Instituindo o eixo nas duas notas localizadas no “meio do caminho” entre os polos. A partir daí, ele “completa” os polos com as notas que “sobraram”, claro sem repetir nenhuma, para garantir a diferença entre cada polo. 



Você pode está se perguntando: Qual o motivo que levou o autor a usar o intervalo de 5º justa para instituir os polos (e depois “completa-los”)?

Admito não recordar dos princípios usados pelo autor para defender sua escolha. Na minha humilde opinião, acredito que o uso desse sistema se justifica por mera facilidade de assimilação, visualização e organização. Afinal o Circulo das Quintas é um principio amplamente conhecido da linguagem musical entre os músicos (uma obrigação, eu diria!).   

A aplicação na construção de acordes é muito parecida com a utilizada na escrita espelhada. Entretanto, ao invés, de utilizar a inversão dos intervalos utilizaremos uma “tabela de eixos” (Não é o termo correto! Se alguém souber coloque nos comentários).  





Com a tabela, cada nota do acorde que está no Polo Positivo serão substituídas por sua contraparte do Polo Negativo. Como na teoria dos números positivos/negativos, as notas apresentam uma distância rigidamente simétrica em relação ao eixo.


Diferente do processo de “escrita espelhada” nós não iremos tomar uma nota como eixo e inverteremos os intervalos. Na Harmonia Negativa (volto a perguntar: Não tinha uma nomezinho melhor?) aplicaremos a tabela que apresenta na qual cada nota de um polo tem contrapartes polo inverso. 

Um universo de possibilidades!


A Harmonia Negativa gera outro grupo de possibilidades para além daquelas que encontramos na Escrita Espelhada.

Além disso, o número de possibilidades possíveis é muito maior!

Posso fazer o convencional, aplicar a tabela entre os polos Dó (negativo) e Sol (positivo) sobre o campo harmônico de Sol Maior.




Como também posso aplicar a mesma tabela sobre o campo harmônico de Dó Maior (campo harmônico sobre o Polo Negativo).





Posso tornar Dó um “Polo Positivo” e gerar outro Eixo tendo Fá como “Polo Negativo”. E criar outra série de campos harmônicos (Esses também deixo para vocês!).



Resultando em dois Eixos!



Posso misturar as ideias da Escrita Espelhada com a Harmonia Negativa na geração de escalas!




Criar campos harmônicos substitutos mistos (construção dos modos utilizando as ideias da Harmonia Negativa e formação dos acordes com a Escrita Espelhada)!





Aplicar o espelhamento dos intervalos para gerar outros acordes e campos harmônicos.




Para facilitar e evitar todas essas tabelas eu gosto de pensar a tabela usando graus e suas  inversões por grau por grau. 




O limite é sua imaginação (e bom senso!)

Talvez o mais complicado seja aplicação desses sistemas. É necessário muito experimento (tentativa e erro). 

Lembrem, nem tudo são flores! Algumas coisas irão soar esplêndidas, outras nem tanto e algumas horríveis! 

A dica é experimentar e usar o “ouvidomêtro”  (a melhor ferramenta da música).



Divirtam-se!! Grande Abraço!

Postagem dedicada aos jovens músicos João Pedro Abarno Dias, Mateus Ginger, Murilo Kessler de Azambuja, Guilherme Schüler e Heitor Barbosa.

Harmonia Modal 2: Os acordes por Quartas

  Por Marcello Ferreira Soares Jr Oi pessoal, antes de começar sugiro ao leitor que leia o artigo anterior sobre Harmonia Modal ( LINK ). A ...