sexta-feira, 27 de março de 2009

O Efeito Torcicolo

Outro dia, um amigo musico comentou o seguinte ao escutar uma banda de funk/soul do inicio da década de setenta[Bete Davies, acho que era o nome do grupo?!]: Isto soa bem atual. No mesmo momento o senso de tempo lógico e racional questionou – como isso pode ser atual se foi feito há 40 anos atrás? – , por outro lado, o senso estético confirmava a afirmativa. Mas coloquemos em termos práticos, por que seria atual? Será que o grupo antecipou em 40 anos as vias estéticas? Eles estavam à frente do seu tempo? Ou nós é que estamos voltando, ou melhor, nós estamos nos voltando aquela musica e estilo?

Antes de qualquer coisa, preciso esclarecer algo ao leitor. Particularmente não entendo este retorno como alguma forma de retrocesso. Pois aqui não estamos falando de uma produção industrial de petróleo ou dos aspectos que diferenciam os modelos de automóvel e sim de arte. Em nosso caso a linha do tempo pouco importa. Aqui tratamos do qualitativo e não do quantitativo/técnico/evolutivo [algo que muitos tomam como preceito para analisa a música ou a arte]. Um estilo de 40 anos atrás não é inferior a um estilo atual. Eles apenas se prestam a períodos e sensos estéticos e sociais diversos, da mesma forma em que temos ao mesmo tempo vários estilos diferentes convivendo ao mesmo tempo, onde cada um se presta a uma determinada gama de idéias e estilos de comportamento. Ou seja, não existe melhoria ou decadência apenas mudança. Pense comigo, se você parar para observar as coisas a partir do ponto de chegada, sempre haverá o julgamento se o movimento de “mudança” foi para melhor ou pior. Mas se você preferir tentar visualizar o movimento sem se preocupar com o ponto de chegada, tais “mudanças” tomam outro sentido. Ainda sim, acredito que não dá para você gostar de tudo que chega a seus ouvidos, mas ao menos é possível torna bem mais claro porque determinada música ou estilo é de seu agrado.

O Efeito Torcicolo esta é uma expressão que soa curiosa. [Tomei contato com esta expressão através de uma entrevista de Edgar Scandurra não sei se foi ele p criador da expressão], mas que compreende dentro de si uma visão sagaz do momento musical em algumas vertentes da música popular. O Efeito Torcicolo se refere a atual e forte tendência por parte de muitos músicos em se voltar à música feita a 20, 30, 40 anos atrás “desenterrando” não só ídolos, mas vários outros músicos e grupos interessantes que não tiveram tanta expressão. Assim como também são resgatados estilos e estéticas, para que num segundo momento implementa uma “releitura”. Podemos constatar pitadas desta tendência não só no mainstream como tão no movimento de música independente. Pensem comigo, qual o grupo hoje que não faz referencia a um grupo ou estilo, ou adota sonoridades vintage, isso em qualquer nível. Vejamos alguns exemplos simples como o retorno ao som Disco de Madonna e do Scissor Sisters; a nova MPB claramente inspirada em movimentos dos mais variados como o Clube da Esquina/ Tropicalismo/Regionalismo/Bossa Nova. Movimentos como o Stoner Rock que recupera o piscodelismo das bandas de garagem da década de 70 e o som pesado do estilo thrash/crossover dos anos 80 e 90; ou muitas bandas Indie que buscam sonoridades da New Wave oitentista. Só para citar alguns exemplos fáceis.

Ai você vai me dizer: “Poxa! Se sairmos catando vamos encontrar referencia de tudo em tudo em qualquer época”. Concordo, contudo se pararmos 10 minutos vamos ver que nos últimos 5 ou 6 anos estamos mais próximos das sonoridades de duas ou três décadas atrás do que há dez anos. E ainda, temos alguns estilos simplesmente não se modificaram da década passada para cá. Vejam o R’N’B, se você “pegar” qualquer gravação deste estilo verá que ele se modificou pouco ou quase nada [só os timbres ficarem melhores!] ou o chamado “hardcore californiano” que virou “emo” [a construção e o formato das canções são muito similares, tirando a temática das letras, qual diferença drástica na sonoridade de Green Day e as bandas emo?]. Isso é ruim? Bem, pelo jeito para os fãs não. E como a música é feita para eles, então estar tudo certo.

É curioso observar este fenômeno, mas qual será a força motora por trás dele? Bom, é difícil saber, alguém pode dizer que esta buscar irá resgata algo que se perdeu na música produzida por determinada geração [sabem, este argumento sempre vem acompanhado daquele papo furado de critico, que desde a década de 70 elegem as bandas salvadoras do rock, como se isso não fosse apenas apelo para vender, e pior, como Rock fosse se extinguir]; outros podem dizer que é uma busca de argumentos para engendrar um rompimento com a musica atual e começar algo novo; ou simplesmente alguém achou legal aquele som e resolveu enveredar por aquela sonoridade [por sinal acho este o motivo mais plausível...rsrs].

Bom, antes de apresentar minhas teorias sobre o caso é interessante pensamos sobre o seguinte. Será que talvez os músicos e até a indústria musical tenham se saturando da “Ditadura do Novo” [onde mudam mais as caras, e o som nem tanto]. Durante muito tempo a indústria musical incutiu na cabeça de todo mundo a estória da inovação continua como preceito absoluto de qualidade, o musico era então movido pela intenção de inovar sua sonoridade cada novo trabalho, sem muitas vezes sequer amadurecer seu estilo. Cada grupo que trouxesse qualquer mínima diferença de sonoridade era chamado de inovador, e colocado no Olímpo da indústria [isso com uma mãozinha das revistas especializadas nas décadas de70/80 e depois das MTV’s da vida 80/90, bem diferente de hoje em dia, né?!..rsrs].

Mas onde isso surgiu? Bem, durante praticamente quatro décadas [50/60/70/80] a indústria da música popular viveu de novidades constantes. Assim a novidade por si só virou uma pela peça de publicidade para indústria. Acontecia a promoção de um estilo ou estética em grande escala, e depois de certo tempo, surgia do nada um novo som, que era uma “rajada de ar fresco na mesmice”. Conduto, nos anos 90, a coisa começou a saturar, sem muitos caminhos para seguir, nesta década aconteceu uma espécie de “salada-do-boi-doido” [foi divertido!] onde ainda residiam os resquícios do som dos anos oitenta, mas se procurava desesperadamente novas vias para a “novidade”. Assim as misturas tornaram-se uma opção quase genérica: soul/rap com rock pesado; eletrônico com rock; a volta o progressivo com toques de metal; musica étnica com eletrônico; Deep Forest e grunges da vida[que um dias soaram e inovadores e hoje são datados]. Já na década de 2000 alguns estilos da década de 90 simplesmente sumiram [ou amadurecessem como Lounge e a música eletroacústica] e/ou deram lugar às releituras que vivemos hoje.

Pensei em duas teorias sobre o caso: 1. ela [a releitura] pode ser uma “tomada de fôlego” para realização de verdadeiras novidades musicais, uma busca pela Nova Liberdade De Expressão; 2. chegamos a uma espécie de pós-tudo onde finalmente cada um faz o que quer para se expressar sem se preocupar em esta dentro ou fora do estilo vigente, A Boa De Velha Liberdade e Expressão.

Juro a vocês se eu soubesse diria onde isso vai dar. E Juro também que ficaria feliz em saber que minhas teorias estejam totalmente erradas, e apareçar uma terceira ou quarta via. Afinal que graça teria saber o resultado do jogo antes dele começar? Bem, lembram do meu amigo musico, ele também fez uma previsão apocalíptica: Quem sabe o Grunge volte?

E QUAL A DE VOCÊS??

Abraços a todos!




quinta-feira, 5 de março de 2009

Zé Ramalho e Lula Cortes – Paebiru (1974)

Existem aqueles álbuns que são considerados raridades essências, verdadeiras “descobertas arqueológicos” daquelas que nós levam a exclamar: Vejam só! Nesta época já existia isso! Ou muitas vezes tomam forma de “elos perdidos” que esclarecem o ponto de chegada do nebuloso passado e ao mesmo tempo indicam os caminhos pelos quais “os galhos da arvore do tempo cresceram”. Este é o caso de Paebiru álbum realizado por Zé Ramalho e Lula Cortes [que também contou com participações de Alceu Valença e Geraldo Azevedo]. Paebiru tem em torno de si toda uma mística de tesouro perdido, se bem, que muito desta mística foi criada mais ligada ao fato de que apenas poucas cópias “sobreviveram” a enchente que assolou Recife no ano de 1975, do que sobre a música contida neste álbum. O que particularmente considero uma tremenda injustiça. Este álbum sofre do mesmo problema de muitos outros grandes trabalhos musicais, ou seja, se fala muito mais sobre as minúcias biográficas envolvidas em sua criação e gravação do que de sua música [Se não conhece a historia ou as historias você pode encontrar um farto material na net, inclusive em alguns ótimos blogs aqui do blogspot].

Bom, como nosso objetivo é falar de música, vamos à labuta. Numa visão geral [se é que possível limitar o universo musical expresso neste trabalho] Paebiru reúne elementos regionais e universais de uma forma bastante interessante. O material regional tem dois tratamentos o estilizado, pois em algumas passagens temos um tratamento muito próximo aquele praticado pelos grupos do movimento Armorial. E de forma Bruta: onde os elementos regionais são apresentados na sua forma original ou próxima ao “original” [digo isso sem afirmar, pois não sou nenhum especialista, se alguém que conhece bem puder dar sua opinião seria ótimo!!] como em trechos de Trilha de Sumé e no inicio de Louvação a Iemanja. Ainda sobre os elementos regionais o que mais é interessante é que as referencias são varias deste as violas européias em frases que lembram o frevo [Em Harpa dos Ares] aos referencias as percussões e aos cantos indígenas e negros. Os elementos “universais” temos o forte acento do rock progressivo [em Nas Paredes da Pedra Encantada, Os Segredos Talhados Por Sumé]; o Jazz nas improvisações de sax que permeiam todo álbum, até a musica de concerto contemporânea com o piano preparado [em Omm], tudo muito norteado por ares psicodélicos.

Pessoal antes que alguém pense algo do tipo: Eles fizeram tudo isso no nordeste há 34 anos atrás? Como eles colheram tantas informações naquela época? É um milagre!! Bom, não é nenhum milagre, entendo que para muita gente tal grau de especulação musical só passou a existir na música do nordeste a partir da década de 90 com Chico Science [R.I.P.]. Mas felizmente as coisas não foram [nem são] bem assim, já na inicio da década de 70 já existia no Brasil um grande numero de grupos psicodélicos e progressivos [muita gente também acredita que os Mutantes foram únicos no Brasil, na verdade eles foram a banda que fez sucesso] vou citar um exemplo fácil de encontrar a banda O Terço que já em 70 tinha um álbum muito bom; o próprio Lula Cortes que já militava nesta linha a um bom tempo. Naquela época Recife era [e ainda é] uma fornalha cultural e artística ao mesmo tempo conviveu lado a lado o movimento Armorial que contava com o Quinteto Armorial [do grande compositor Antúlio Madureira], além de um movimento musical de veia roqueira [de tempero nordestino] com representantes como o Ave Sangria.

Escolhi dois momentos distintos deste álbum para comentar o seu conteúdo: Trilha de Sumé; Nas Paredes da Pedra Encantada, os Segredos Talhados por Sumé.

Trilha de Sumé é a faixa de abertura nela ao longo de sua “trilha” de 13’ minutos vários momentos musicais com diferentes configurações musicais temos trechos com um toque de primitivismo como no inicio onde temos num primeiro momento percussões junto a uma linha de baixo [que nos remete as estruturas do Manguebeat]; sonoridades étnicas e flautas com fraseados que parecem ter saído de um álbum do Jethro Tull. Num segundo momento primitivista temos uma cantoria acompanha de um batuque que faz uma referencia a caboclinhos ou maracatus [não sou nenhum especialista em musica folclórica, por isso, quem escutar o álbum me corrijam, por favor, seu disser alguma asneira!..rsr] recheada com uma solo que guitarra, entre estas partes temos um solo de sax jazzístico e a parte final da faixa é introduzida por uma escala sem tonalidade definida no piano se encerra com um ensaio onde um solo de flauta [tonal e de tonos tranqüilo e suave] é inicialmente acompanhado pelo piano e depois o piano é retirado e uma instrumentação com viola de dez; violão e baixo acompanham; revezam-se e fazem contra-canto a flauta. Não a forma musical desta faixa na verdade pode ser definida como um fluxo sem fim onde informações diferentes são expostas e em seguida são substituídas por outras. Nenhuma informação ou conteúdo é retomado, desta maneira a forma esta aberta ela soa como uma improvisação continua.

A faixa Nas Paredes da Pedra Encantada, os Segredos Talhados por Sumé é bastante interessante no aspecto de conteúdos musicais utilizados, ela mescla referencias do rock progressivo/psicodélico sessentista e setentista – Grantefull Dead; Iron Butterfly; Uriah Heep – [com linhas de baixo bem marcadas ponteadas pelas sonoridades do órgão e do sax. Além requintes de mixagem com o jogo de pan] – com uma linha vocal que nos remete diretamente ao repente nordestino [tanto por causa da estrutura melódica com escala artificial – mesclado dos modos mixolídio e lídio –, quando pela estrutura de estrofe com rima e refrão]. Graças a esta referencia da estrutura canto/poética do repente, a forma musical lembra um rondo, onde as variações gravitam em torno das partes vocais. Esta forma pode ser descrita rapidamente da seguinte maneira [Intro – vocal – intermezzo – vocal – intermezzo [solo de sax; modulação passageira] – vocal – intermezzo –vocal – encerramento].

Por muito tempo Paebiru figurou para muita gente como uma espécie de relíquia curiosa e nada mais. Mas um exame mais cuidadoso prova que este álbum é muito mais que isso [desculpem pela frase clichê]. As composições não apenas antecipam algumas manifestações e tendências musicais que nasceriam duas décadas depois de seu lançamento, além disso, as soluções musicais para que ajudaram a criá-lo, podem ser um responsório muito útil para quem se interesse em trilhar as mescla entre musica referencias do folclore nordestino com estilos variados da musica popular.

Onde encontrar:

http://brnuggets.blogspot.com/2006/10/lula-crtes-z-ramalho-pabir-1975.html

http://pt.wikipedia.org/wiki/Pa%C3%AAbir%C3%BA

Harmonia Modal 2: Os acordes por Quartas

  Por Marcello Ferreira Soares Jr Oi pessoal, antes de começar sugiro ao leitor que leia o artigo anterior sobre Harmonia Modal ( LINK ). A ...