quinta-feira, 5 de março de 2009

Zé Ramalho e Lula Cortes – Paebiru (1974)

Existem aqueles álbuns que são considerados raridades essências, verdadeiras “descobertas arqueológicos” daquelas que nós levam a exclamar: Vejam só! Nesta época já existia isso! Ou muitas vezes tomam forma de “elos perdidos” que esclarecem o ponto de chegada do nebuloso passado e ao mesmo tempo indicam os caminhos pelos quais “os galhos da arvore do tempo cresceram”. Este é o caso de Paebiru álbum realizado por Zé Ramalho e Lula Cortes [que também contou com participações de Alceu Valença e Geraldo Azevedo]. Paebiru tem em torno de si toda uma mística de tesouro perdido, se bem, que muito desta mística foi criada mais ligada ao fato de que apenas poucas cópias “sobreviveram” a enchente que assolou Recife no ano de 1975, do que sobre a música contida neste álbum. O que particularmente considero uma tremenda injustiça. Este álbum sofre do mesmo problema de muitos outros grandes trabalhos musicais, ou seja, se fala muito mais sobre as minúcias biográficas envolvidas em sua criação e gravação do que de sua música [Se não conhece a historia ou as historias você pode encontrar um farto material na net, inclusive em alguns ótimos blogs aqui do blogspot].

Bom, como nosso objetivo é falar de música, vamos à labuta. Numa visão geral [se é que possível limitar o universo musical expresso neste trabalho] Paebiru reúne elementos regionais e universais de uma forma bastante interessante. O material regional tem dois tratamentos o estilizado, pois em algumas passagens temos um tratamento muito próximo aquele praticado pelos grupos do movimento Armorial. E de forma Bruta: onde os elementos regionais são apresentados na sua forma original ou próxima ao “original” [digo isso sem afirmar, pois não sou nenhum especialista, se alguém que conhece bem puder dar sua opinião seria ótimo!!] como em trechos de Trilha de Sumé e no inicio de Louvação a Iemanja. Ainda sobre os elementos regionais o que mais é interessante é que as referencias são varias deste as violas européias em frases que lembram o frevo [Em Harpa dos Ares] aos referencias as percussões e aos cantos indígenas e negros. Os elementos “universais” temos o forte acento do rock progressivo [em Nas Paredes da Pedra Encantada, Os Segredos Talhados Por Sumé]; o Jazz nas improvisações de sax que permeiam todo álbum, até a musica de concerto contemporânea com o piano preparado [em Omm], tudo muito norteado por ares psicodélicos.

Pessoal antes que alguém pense algo do tipo: Eles fizeram tudo isso no nordeste há 34 anos atrás? Como eles colheram tantas informações naquela época? É um milagre!! Bom, não é nenhum milagre, entendo que para muita gente tal grau de especulação musical só passou a existir na música do nordeste a partir da década de 90 com Chico Science [R.I.P.]. Mas felizmente as coisas não foram [nem são] bem assim, já na inicio da década de 70 já existia no Brasil um grande numero de grupos psicodélicos e progressivos [muita gente também acredita que os Mutantes foram únicos no Brasil, na verdade eles foram a banda que fez sucesso] vou citar um exemplo fácil de encontrar a banda O Terço que já em 70 tinha um álbum muito bom; o próprio Lula Cortes que já militava nesta linha a um bom tempo. Naquela época Recife era [e ainda é] uma fornalha cultural e artística ao mesmo tempo conviveu lado a lado o movimento Armorial que contava com o Quinteto Armorial [do grande compositor Antúlio Madureira], além de um movimento musical de veia roqueira [de tempero nordestino] com representantes como o Ave Sangria.

Escolhi dois momentos distintos deste álbum para comentar o seu conteúdo: Trilha de Sumé; Nas Paredes da Pedra Encantada, os Segredos Talhados por Sumé.

Trilha de Sumé é a faixa de abertura nela ao longo de sua “trilha” de 13’ minutos vários momentos musicais com diferentes configurações musicais temos trechos com um toque de primitivismo como no inicio onde temos num primeiro momento percussões junto a uma linha de baixo [que nos remete as estruturas do Manguebeat]; sonoridades étnicas e flautas com fraseados que parecem ter saído de um álbum do Jethro Tull. Num segundo momento primitivista temos uma cantoria acompanha de um batuque que faz uma referencia a caboclinhos ou maracatus [não sou nenhum especialista em musica folclórica, por isso, quem escutar o álbum me corrijam, por favor, seu disser alguma asneira!..rsr] recheada com uma solo que guitarra, entre estas partes temos um solo de sax jazzístico e a parte final da faixa é introduzida por uma escala sem tonalidade definida no piano se encerra com um ensaio onde um solo de flauta [tonal e de tonos tranqüilo e suave] é inicialmente acompanhado pelo piano e depois o piano é retirado e uma instrumentação com viola de dez; violão e baixo acompanham; revezam-se e fazem contra-canto a flauta. Não a forma musical desta faixa na verdade pode ser definida como um fluxo sem fim onde informações diferentes são expostas e em seguida são substituídas por outras. Nenhuma informação ou conteúdo é retomado, desta maneira a forma esta aberta ela soa como uma improvisação continua.

A faixa Nas Paredes da Pedra Encantada, os Segredos Talhados por Sumé é bastante interessante no aspecto de conteúdos musicais utilizados, ela mescla referencias do rock progressivo/psicodélico sessentista e setentista – Grantefull Dead; Iron Butterfly; Uriah Heep – [com linhas de baixo bem marcadas ponteadas pelas sonoridades do órgão e do sax. Além requintes de mixagem com o jogo de pan] – com uma linha vocal que nos remete diretamente ao repente nordestino [tanto por causa da estrutura melódica com escala artificial – mesclado dos modos mixolídio e lídio –, quando pela estrutura de estrofe com rima e refrão]. Graças a esta referencia da estrutura canto/poética do repente, a forma musical lembra um rondo, onde as variações gravitam em torno das partes vocais. Esta forma pode ser descrita rapidamente da seguinte maneira [Intro – vocal – intermezzo – vocal – intermezzo [solo de sax; modulação passageira] – vocal – intermezzo –vocal – encerramento].

Por muito tempo Paebiru figurou para muita gente como uma espécie de relíquia curiosa e nada mais. Mas um exame mais cuidadoso prova que este álbum é muito mais que isso [desculpem pela frase clichê]. As composições não apenas antecipam algumas manifestações e tendências musicais que nasceriam duas décadas depois de seu lançamento, além disso, as soluções musicais para que ajudaram a criá-lo, podem ser um responsório muito útil para quem se interesse em trilhar as mescla entre musica referencias do folclore nordestino com estilos variados da musica popular.

Onde encontrar:

http://brnuggets.blogspot.com/2006/10/lula-crtes-z-ramalho-pabir-1975.html

http://pt.wikipedia.org/wiki/Pa%C3%AAbir%C3%BA

4 comentários:

Mo & Li disse...

Olá!
"nas paredes da pedra encantada" adorei, sem contar que será lançado ainda em 2009 e é um dos vinis mais caro.

Parabéns pelo texto.
Bjs!

Jônatas Targino disse...

LEMBRO DE QUANDO ERA MULEQUE CARACA... VLW

Anônimo disse...

muito boa observação,porem nao ouvi o disco ainda,mas me interessei irei acompanhar mais seu blog,poderia fazer um pedido rsrs?
pq achei uma boa analise a sua!tem interesse de comentar o cd do Lenine:O dia em que faremos contato,eu acho muito interessante esse cd,gostaria de ler o seu comentario,qual quer coisa me manda uma mensagem desde ja muito obrigado

Félix Maranganha disse...

Lembro desse álbum. Lembra um pouco meus 12 anos, quando meu pai botou pra tocar. Na época detestei as músicas, e aos 19 anos passei a gostar. Vá entender, a preferência musical muda com o passar dos anos.

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