quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

Pandiatônico, Pandiatonicismo, Pantonalismo, Pantonal ou Pan pan rã rã rã... Pan pan!

                                                                                                        Organizado por Marcello Ferreira Soares Junior

Parte 1: Pan o quê?

Normalmente quando falamos sobre rompimento com a linguagem tonal  vem à mente o atonalismo de Schoenberg e suas séries dodecafônicas, Webern e seu serialismo quase intangível e Berg e sua liberdade e lirismo dissonante (seguidos de perto por Boulez e os serialistas integrais com suas “máquinas de sons”). O rompimento com a linguagem tonal está ligado as tentativas de suspensão das funções tonais tradicionais parece está sempre ligada ao cromatismo.

A "fuga" da tonalidade é um processo histórico e estético resultante de uma busca pela expansão das possibilidades técnicas e expressivas da própria tonalidade. Bem, não é meu objetivo nesse texto recontar essa história (que por sinal, você pode encontrar numa dezenas de textos publicados em bons livros e até vídeos na internet). 

Então vamos direto ao ponto!

Para pomover essa “fuga” os compositores tomaram diferentes caminhos, boa parte deles pavimentados com o cromatismo. 

Mas o cromatismo não foi o único caminho!

Aqui entra em cena o Pandiatonicismo (o termo original é Pandiatomism estou usando nesse texto a tradução encontrada no Dicionário Grove de Música). 

A discussão acerca do papel do Pandiatonismo no cenário da desagregação do sistema tonal é interessante. Para muitos, o Pandiatonismo foi o inimigo interno, um sabotador, que resolveu dá cabo do tonalismo utilizando dos seus elementos básicos. Outros defendem que ele é um ferramenta de expansão do tonalismo. 

Bem, sendo curto e grosso, o Pandiatonismo é as duas coisas e ao mesmo nenhuma delas. 

Essa discussão é importante, mas no campo dos estudos estéticos e históricos e mereceria um texto próprio (então, alguém por favor escreva!!).

Aqui vou deixar as minhas opiniões (não que a contação do ouro vá mudar por causa dela. Mesmo assim vou deixar!).

1. Sim! O Pandiatonismo foi um ferramente de implosão do tonalismo tradicional. 

2. Sim! O Pandiatonismo colaborou para abrir e expandir as fronteiras do tonalismo.

3. E sim! O Pandiatonismo acabou por trilhar seu próprio caminho independente do tonalismo e do atonalismo.

4. E daí? No atual momento estético o importante é a possibilidade de podermos usar qualquer linguagem como via para expressão!


O Pandiatonicismo não é uma única técnica (a grosso modo, podemos colocar o politonalismo como uma técnica dentro do Pandiatonalismo). 

Sim, existe uma técnica de composição que é nomeada por esse termo Pandiatonicismo.

Nela se faz uso das notas de uma escala Diatônica de forma livre das funções da tonalidade. O termo "pandiatonicism" foi cunhado por Nicolas Slonimsky em seu livro “Music Since 1900” (1938).  Slonimsky utilizou o termo para descrever o uso melódico, harmônico e contrapontístico da escala diatônica engendrado por compositores como Stravinski, Ives e Copland (mais adiante também os minimalistas, neo-românticos, música pop, techno e etc.) em suas obras. O próprio Slonimsky nos apresenta exemplo do pandiatonismo em seu livro “Thesaurus Of Scales And Melodic Patterns” (1947). Link para baixar gratuito..

No pandiatonismo o desafio é fugir das forças atrativas das funções tonais (de tônica de dominante) e encontrar novas formas de utilizar as escalas. 

Para isso, os compositores utilizaram vários recursos comum (incomuns) da música tonal: saltos melódicos, harmonias por meio de quartas, clusters e até técnicas seriais.  

Um aspecto interessante das obras pandiatônicas é o visual limpo das partituras.

Stravinsky, Serenata em Lá, I compassos 52-55. 


Parte 2: Exemplos


Bom, vou seguir o texto reproduzindo alguns exemplos do Slonismsky (e alguns elaborados por mim) e analisando (ou tentando!) os procedimentos explicitados nos exemplos.

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Aviso: Minha observação para alguns pode parecer boba! Mas para outros talvez possa ser esclarecedora!  

Atenção: apesar de todos os exemplos utilizarem as notas escala diatônica de Dó, no Pandiatonicismo podemos utilizar qualquer escala diatônica. Podemos usar diferentes escalas numa mesma composição utilizando os procedimentos que serão descritos mais a diante (Se você criar seus próprios procedimentos, aí fica ainda mais interessante!). Vai do gosto do cliente!!!

O Pandiatonismo não é um sistema fechado! Podemos encara-lo como uma forma diferente de se manusear os elementos da linguagem diatônica. Expandindo ou negado os princípios da mesma!

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Logo no primeiro exemplo, Slonismsky nos apresenta alguns arpejos onde as notas que são dispostas com saltos e disposições inesperadas. 

Inicialmente em intervalos compostos, mas maneira conjunta (primeiros sistemas). Logo em seguida temos disposições de intervalos compostos ou simples, mas de forma disjunta últimos sistemas). 

Esse recurso simples usado de forma continua tentar "burla" nossa percepção de inicio meio e fim de uma estrutura melodia diatônica. 


Reprodução Thesaurus Of Scales And Melodic Patterns, pág. 192.


O objetivo final é impedir que uma tônica seja estabelecida (apesar da duplicação da nota Dó no inicio e fim de cada arpejo). Um coisa que experimentei e funciona é abrir mão da repetição da nota Tônica de uma escala diatônica ou repetir outra nota da escala. 

O segundo conjunto de exemplo é muito interessante. Slonismsky apresenta a aplicação dos métodos de construção da séries dodecafônicas sobre a escala diatônica. 

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Tá, isso não é nenhuma novidade, aplicar a inversão, retrogradação e inversão retrograda num contexto diatônico. Todo mundo (quem leu Fundamentos da Composição Musical do Schoenberg, estudou composição ou leu a apostila do Prof. Dr. Guigue) sabe que método era bastante utilizado compositores durante a história da música ocidental (por exemplos, os clássicos como Beethoven, utilizavam esse método sobre os motivos e temas para criar variedade). 

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Aqui Slonismsky aplica à moda do dodecafonismo, ou seja, cada nota tem seu "lugar na fila" e só pode repetir sua "aparição" nas estruturas melodias, harmônicas ou contrapontísticas após a participação de suas companheiras! Contudo, os intervalos não são tratados de forma tão "rigorosa" como no serialismo, isso porque o autor deseja manter o conjunto de notas da escala diatônica sem alterações.

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Quando me refiro a um tratamento rigoroso dos intervalos tenho em mente o modus operanti do serialismo, ou seja, quando queremos inverter um de 2º maior ascendente e aplicamos a inversão sobre o sentindo do movimento melódico e preservamos a distância acústica do intervalo (2º maior), como resultado ele se tornará uma 2º maior descendente:



No caso das "séries Pandiatônica" a inversão vai afetar apenas o sentido do movimento melódico. Já distância acústica do intervalos irá seguir aquelas contidas na escala diatônica.


    
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Reprodução Thesaurus Of Scales And Melodic Patterns, pág. 193.

Como usar? Como disse vai do gosto do cliente!

A. Você ser um rigoroso serialista (que adora uma fila);

B. Se você não está naqueles dias muitos inspirados, esse processo ajuda muito!

C. Como passa-tempo é legal!


O exemplo a seguir mostra a utilização da distribuição Pandiatônica em sequências harmônicas formadas por acordes de duas e três notas.


Reprodução Thesaurus Of Scales And Melodic Patterns, pág. 193-94.



Aproveitando o ensejo, gostaria de mostrar como o Slonismsky era um cara bacana! Se observarmos com calma poderemos ver uma aplicação das "séries" Pandiatônica nos exemplos acima.



Observe que o autor aplica as formas "originais" de maneira mais ou menos livre das harmônias.

Os exemplos de contraponto vem a seguir. E para variar o uso do contraponto é sempre esclarecedor!! 

Slonismsky constrói alguns pequenos exemplos a duas e três vozes. Nos exemplos, ele aplica tudo de forma muito livre.

Antes algumas observações sobre os exemplos:

1. São escritos para serem lidos tanto no sentido normal da página quanto invertido (famoso de "cabeça para baixo" ou "ponta-cabeça"). 

2. O cantus firmus (na voz grave sentido normal da página. Voz aguda sentido invertido da página) nada mais é que a escala diatônica na forma ascendente ou descendente.

3. É curioso observar que o autor optou por resoluções tradicionais para o contrapontos na maioria dos exemplos  

Separei um exemplo, discutir aspecto da duplicação (ou dobramento) de uma nota da escala diatônica.

Não há uma regra que diga que você não pode duplicar uma nota (normalmente o autor duplicou a tônica da escala). Muito menos uma regra que diga que nota você deve duplicar! Vale a "regra de Ouro", o que soar bem sem cair no "convencional" está valendo! Particularmente, uso como solução duplicar outras notas da escala.


Nesse outros exemplos gostaria de reforça a ideia de liberdade em relação ao tratamento dos contrapontos e das harmonias. Os contrapontos não precisam ter resoluções ortodoxas (consonâncias perfeitas). 



Em A temos uma resolução bem tradicional (movimento contrario, graus conjuntos alcançando uma consonância perfeita). Já A' temos um movimento direto! Contundo, entre um intervalo de sexta menor e uma oitava, nada que vai ti condenar a fogueira!

Em B temos um CP a três vozes com uma bela resolução num acorde composto de oitavas da tônica (ficaria mais bonito se o Fá do trítono fosse resolvido no Mi, Ops! Pera lá! Não é harmonia tradicional! Isso é assunto de outra postagem!). Já B' observamos uma resolução com movimento corretos, mas que concluem num acorde (Bonitasso!) que me levaria a ser excomungado em outros tempos (ou naquela prova de contraponto ondo tu que inventar demais e ti estrumbica!). 

Em resumo: Você tem liberdade, então bota essa cabeça para pensar e ouvido para funcionar!

Para finalizar, Slonimsky nos apresenta alguns exemplos de candências e harmonias. Esses exemplos são belos pontos de partida para desenvolver as próprias candências.    




Parte 3: Para finalizar!

Escrevi uma pequena peça para exemplificar alguns processos que utilizo quando componho usando o Pandiatonicismo. Não está nenhuma beleza (escrevi todo esse artigo de ontem para hoje, para vocês verem, o que é tu ficar em casa de férias sem fazer nada! rsrs!), mas acredito que ajude a visualização do Pandiatonicismo na prática.


Segue o vídeo (amplie a tela). 






Partitura guia:




Abraço a todos!!



Fontes:

Kostka, Stefan. Materials and Techniques Of Twentieth-Century Music.

Dicionário Grove de Música.

Slonimsky, Nicolas. Thesaurus Of Scales And Melodic Patterns.

http://musicaenmexico.com.mx/pandiatonismo-y-pantonalidad/









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