quinta-feira, 4 de abril de 2024

Música Barroca instrumental.

Por Marcello Ferreira Soares Junior

Vou nesse texto falar de forma genérica de aspectos da música instrumental do Período Barroco sem me deter a especificidades ou ao rigor de datas.



Características gerais:

Inicialmente a música instrumental Barroca ainda mantinha uma ligação estreita com a música vocal renascentista, dela extraído não apenas modelos para forma, mas também idéias de construção melódica e harmônica. Contudo, durante o século XVII, a música instrumental foi se tornando cada vez mais autônoma da música vocal, as peças passaram a ser produzidas em grande quantidade e com uma qualidade cada vez mais refinada. 

Podemos alinhavar algumas características dessa nova música em diferentes aspectos:

Os compositores adotam o uso da homofonia (melodia com acompanhamento) com progressões de acordes e usando o baixo-contínuo como base para a estrutura harmônica. Esta progressão de acordes serviam como suporte para o desenvolvimento da melodia. Para assegurar (texto do blog Parlatório Musical) o uso correto dos acordes que sustentam a melodia foi desenvolvido o sistema de baixo cifrado: números e símbolos escritos abaixo das notas do baixo que indicavam o tipo, a forma e a inversão do acorde a ser usado. 

As melodias eram construídas em longas linhas contínuas e quase ininterruptas. Também temos o uso da corrente da ornamentação no Barroco, seu uso é derivado das antigas práticas contraponísticas e populares. No Barroco eles tinham duas funções: afirmar a harmonia e dar colorido ao timbre e a sonoridade dos instrumentos. Os principais ornamentos são: trinado, grupeto, mordente, apojatura, glissando e floreio. 

O ritmo inicial era constante e também persistia por toda a peça. Os ritmos de danças tomam importância na estruturação das peças. Desde o século XVII, quando os valores das figuras rítmicas tornam-se fixos conhecidos pelos nomes atualmente utilizados: semibreve, mínima, semínima, colcheia, semicolcheia, fusa e semifusa. É também neste período que as notas adquirem (texto do blog Parlatório Musical) sua forma arredondada e as bandeirolas são usadas unidas. Outros aspectos básicos da estrutura rítmica e dinâmica passa a ter uso corrente no Barroco, tais como: o uso da semibreve unidade rítmica básica; a barra de compasso e as fórmulas de compasso; as indicações de andamentos; o arco de ligadura; as quiálteras e os acentos e algumas expressões de dinâmica. 

Em relação aos timbres. Os compositores passam a determinar instrumentação de modo claro e objetivo nas partituras para cada peça. Iniciando o que mais tarde seria chamado de escrita idiomática. Contudo ainda existiam obras onde era livre a escolha dos instrumentos. 

A história da orquestra também se inicia no século XVII. O grupo musical recebeu este nome por causa do local que os músicos ocuparam nos teatros dos palácios da (texto do blog Parlatório Musical) nobreza nos séculos XV e XVI. É curioso saber que a palavra orquestra em grego significa: lugar para a dança, isso pois o loca onde eram colados os músicos era reservado aos dançarinos no teatro grego. As orquestras primitivas figuravam nas primeiras óperas, balés, além de concederem a parte musical para espetáculos teatrais, elas eram conjuntos sem um padrão, normalmente eram constituídos por: grupos de flautas-doce, oboés, trompetes, trombones, harpas, cravos, alaúdes, tiorbas, instrumentos da família das violas medievais. Reuniam-se no grupo os instrumentos disponíveis ou aqueles que iam de acordo com a necessidade do espetáculo.

 

Podemos dividir a história da música instrumental no Barroco em dois momentos:

  • Primeira metade do Séc XVII marcada pela consciência e delimitação dos gêneros de composição.

  • Segunda metade do Séc XVII, composição orientada não apenas pelo gênero mais também pelo meio ou instrumentação.

Com o tempo, os compositores procuraram um maior equilíbrio entre os timbres. Assim, os primeiros grupos instrumentais fixos foram tomando uma forma padrão. No final do período Barroco, a forma mais popular era constituída pelas cordas [família dos violinos] e um instrumento para executar o contínuo, normalmente um instrumento de teclas. Dentro do grupo cada (texto do blog Parlatório Musical) instrumento exercia funções bem delimitadas: a melodia sempre a cargo dos primeiros violinos. Já a harmonia ficava a cargo dos segundos violinos e violas, sendo os baixos executados pelos violoncelos e contrabaixos e a realização dos acordes para o teclado (órgão ou cravo). Com funções tanto melódicas como harmônicas. 

Nesse período também surgiu a figura do maestro, que naquele momento, muitas vezes era o próprio compositor e tocava o contínuo no cravo. Assim sendo uma figura diferente daquela que conhecemos hoje, focada na coordenação do conjunto da orquestra. Num primeiro momento o maestro usava um bastão com o qual marcava a primeira batida do andamento e a fórmula [battuta] do compasso. 

Temos também o início da especialização do músico em um determinado instrumento. 

Primeiro metade do século XVII: Primeiras formas e gêneros instrumentais.

No início do século XVII, já era possível uma distinção clara entre a música instrumental e a música vocal. A consciência das características particulares (texto do blog Parlatório Musical) assumidas por cada gênero pautou a criação musical. Neste ambiente alguns gêneros passaram a ser mais cultivados:

  • Estilo fugato: peças baseadas em contraponto imitativo contínuo. Eram designadas por vários nomes: ricercare, fantasia, fancy, capriccio, fuga e outros. O ricercare a mais conhecida de todas era uma forma que tinha como característica ser uma peça curta e sóbria para teclado.

  • Estilo canzona: peças baseadas em contraponto imitativo descontínuo. Consistia em composições com várias seções contrastantes, cada uma com um tema diferente.

  • Peças de variação sobre uma melodia ou baixo. Abrangiam muitas formas instrumentais, que tinham sua origem no renascimento tardio. Onde se operava sobre um tema [trecho melódico] variações de ritmo, ornamento e melodia. Estas peças eram chamadas de passacaglia, chaconne e outros nomes. 

  • Peças de caráter improvisatório. As composições de estilo se caracterizavam mais livres que as de caráter de variação, nelas era valorizado o virtuosismo do executante, elas normalmente eram compostas de trechos musicais (texto do blog Parlatório Musical) curtos frouxamente conectados, onde por meio de ornamentações e adições a melodia o intérprete demonstrava suas habilidades num determinado instrumento. A forma mais conhecida deste estilo é a toccata.

Alguns compositores de destaque neste período:

Girolando Frescobaldi [1583-1643]; Jan Sweelinck; Samuel Scheidt [1587-1654]; Heinrich Scheidemann [1596-1663]; Michael Praetorius; Henry Purcell; Giovanni Maria Trabaci [1575-1647]; Johann Jakob Froberger [1616-1667]; Biagio Marini [1587-1663].

Segunda metade do século XVII: Música para teclas e conjuntos.

A música para tecla deste período era polarizada basicamente em dois instrumentos: o Órgão e o Cravo e Clavicórdio. 

Música para órgão





A música para órgão foi um estilo bem desenvolvido no norte da Europa, principalmente, na Alemanha, França e países baixos [Bélgica e Holanda]. Isso graças à grande quantidade de serviços religiosos e a qualidade de instrumentos deste tipo disponíveis. Vários grandes construtores ficaram conhecidos pela qualidade de seus instrumentos, um dos mais apreciados foi Gottfried Silbermann.

O órgão é um instrumento comunal, era utilizado inicialmente para acompanhar o canto da congregação ou dos cantores profissionais tanto da igreja católica quanto das congregações protestantes. Com o tempo, as obras instrumentais passaram e ser executadas nos (texto do blog Parlatório Musical) intervalos entre cada trecho do serviço religioso, muitas vezes como uma introdução ou intermezzo. Essas peças passaram por uma processo de cada vez maior elaboração por parte dos executantes/compositores. E com o tempo se tornaram obras autônomas em relação ao seu contexto original.

Os principais estilos de composição para Órgão eram:

Coral - Adaptação de uma melodia cantada ou hino religioso.

Prelúdio - Peça curta para demonstrar a afinação do instrumento e a tonalidade da música.

Invenção - Peça em estilo imitativo, para estudo de composição.

Fantasia - Peça livre, geralmente, na forma tema e variação.

Toccata - Peça virtuosística para teclado.

Os principais compositores foram: Dietrich Buxtehude, Johann Pachelbel, Johann Christoph Bach, Georg Böhm, Johann Sebastian Bach, Jan Pieterszoon Sweelinck, Johann Kuhnau, Samuel Scheidt.

Música para Cravo (teclas)





A música para cravo teve seu auge no período Barroco, ela foi um dos principais gêneros de composição do período, A música para o cravo tem duas principais formas: variações e a suíte.

As suítes eram um conjunto de danças estilizadas apresentadas em grupo. Podemos dividir a suíte em dois estilos: 

  • A ordre francesa que não tinha uma sequência fixa; 

  • Partita alemã que se baseia num conjunto básico de quatro danças [allemande; courante; sarabanda e giga]. 

As danças que compunham uma suíte em geral eram peças breves, onde cada uma tinha seu próprio caráter, estrutura e ritmo. Algumas usavam variações temáticas simples como recurso composicional. 

Normalmente, as suítes eram organizadas numa sequência de movimentos lento-rápido-lento-rápido, sempre tendo como base ritmos de danças.

Um exemplo é a organização da suíte [partita alemã] que era a seguinte:

1.Allemande, dança alemã, com compasso 4/4 e andamento moderado.

2.Courante, dança francesa, com compasso 6/4 ou 3/2, moderadamente rápido. Corrente, dança italiana, com compasso 3/4 ou 3/8, bem rápida.

3.Sarabanda, dança espanhola de compasso ternário e caráter lento.

4. Giga, dança francesa, de caráter rápido.

Mais tarde passou-se a incluir outras danças dependendo das preferências e a nacionalidade do compositor. Como também do tipo de encomenda para um cliente, caráter da ocasião onde a obra seria apresentada ou instrumental à disposição. 

Danças pouco convencionais como: a gavota, a passepied, a bourrée, a rigdon, chacona, passacalha. figura em alguns exemplos de suíte para teclas.

Outro detalhe tardio é o fato de algumas danças da suíte ainda apresentarem um complemento, o double ("duplo" ou "dobrado" em francês). Assim esta dança (texto do blog Parlatório Musical) era repetida com ornamentação ou com variações. Muitas vezes para demonstrar as habilidades do músico.

Além das danças, peças de outros tipos poderiam entrar na suíte: 

Prelúdio: uma curta abertura para preparar a tonalidade ao ouvinte. 

Ária: uma melodia lírica tendo como modelo a ária de ópera. 

Tema e variações; fantasia; toccata; marcha e outras opções. 

Todas as peças da suíte tinham a mesma tonalidade. Apesar de serem puramente instrumentais, muitos compositores, principalmente os franceses, batizaram as suítes porque pretendiam contar uma história, descrever uma paisagem e até criticar os inimigos. 

Os principais compositores: 

Jean-Philippe Rameau; François Couperin; George Friedrich Händel; Johann Sebastian Bach; Henry Purcell;





Música para conjuntos:

Se a música para teclas foi essencialmente dominada pelos compositores do norte da Europa. A música para grupos foi fortemente italiana, em seu princípio, isso graças ao desenvolvimento dos instrumentos da família do violino, que tiveram grande desenvolvimento técnico na Itália (texto do blog Parlatório Musical), especialmente em Cremona com construtores como Niccòlo Amati, Antonio Stradivari e Giuseppe Bartolomeo Guarnieri. 

Suítes para conjuntos

As suítes para conjuntos seguiam todos os elementos descritos naquela para os instrumentos de tecla. Mas ela passou a apresentar uma forma particular, o trio.

O termo trio, se refere a dança de uma suíte executada que seria repetida como no double, só que agora com um arranjo em três partes. O trio surge como um propósito mais mundano do que artístico. Ele era um recurso para os músicos descansarem (texto do blog Parlatório Musical) durante suas atividades em festividades de corte, onde normalmente, a orquestra tocava uma dezena de peças, e na necessidade de descansar os músicos, passou-se a se criar arranjos para somente três instrumentistas - dois agudos e um grave - para que a música não parasse totalmente, enquanto os músicos revezavam no descanso.  

Sonata

A palavra Sonata deriva do latim sonare [que significa soar], essas composições eram escritas para quatro instrumentistas, o grupo era composto normalmente para dois instrumentos melódico solistas e um baixo contínuo, ou seja, dois instrumentos solistas agudos [violinos ou flautas], um que executava e linha do baixo [violoncelo, viola da gamba, fagote], e um terceiro [normalmente um instrumento de teclado que tocava o contínuo, ou seja, a harmonia ou acordes: cravo, clavicórdio, órgão, alaúde]. 

Por causa deste tipo de formação com três tipos de instrumentos diferentes este gênero foi chamado de Trio-sonata. Apresentava vários andamentos, como no concerto na suíte. A sonata foi especialmente popular no fim do século XVII e início do século XVIII, totalizando (texto do blog Parlatório Musical) as três partes que deram o nome de "sonata em trio" ao conjunto. As sonatas em trio de Arcangelo Corelli (opus I, 1681, opus III, 1689) são alguns dos exemplos mais inspiradores do gênero. Apesar do fato dos instrumentos melódicos utilizados são quase sempre dois violinos. Uma conhecida exceção é o trio sonata da Oferenda Musical de Johann Sebastian Bach, que apresenta um violino e uma flauta.

No período barroco as sonatas para cordas renascentistas sobreviveram com dois tipos: 

sonata da câmara: música mais jocosa para ser tocada nos saraus ou festividades da corte, tendo o cravo e clavicórdio como contínuo.

sonata da chiesa: música de caráter sóbrio para ser tocada em igrejas católicas, com o órgão como contínuo.







Concerto grosso 

Em italiano significa "grande concerto". A palavra concerto é de origem controversa, alguns historiadores defendem que a origem está no termo latino consertare ("juntar" ou "arrumar" do latim) e não concertare ("rivalizar" do latim). No Século XVI, o termo concerto, (texto do blog Parlatório Musical) aplicava-se indiferentemente, a motetos, cantatas e peças instrumentais diversas. No período Barroco o termo passou a se aplicar a peças voltadas a grupos instrumentais.  

No concerto grosso temos um conjunto pequeno de solistas que se contrapõem à massa orquestral, ambos apoiados pelo baixo contínuo. Cada um destes grupos recebe uma denominação diferente e uma função específica:

Concertino: grupo de solistas, que geralmente são compostos por no máximo quatro e no mínimo dois instrumentistas, sendo todos de registro agudos e pelo menos um em registro grave, tocam as melodias principais e exibem virtuosidade.

Ripieno ou Tutti: é o todo da orquestra formada somente por instrumentos de cordas, apresentam os temas e preenchem a harmonia na parte intermediária.

Basso-contínuo: cuidavam de produzir os acordes preenchendo a harmonia: cravo, clavicembalo, órgão, alaúde, harpa, Para reforçar as notas graves melodicamente: violoncelo, contrabaixo, viola da gamba, fagote.

1 esquema formal de um movimento do concerto grosso

É elaborado em vários andamentos (influência cruzada da suíte com a abertura da ópera). Normalmente cada parte seguia a sequência de um movimento lento seguido e um movimento rápido, ou vice-versa.

O andamento lento inicial era normalmente num estilo de marcha de caráter solene tendo como modelo a abertura de ópera francesa. Já o movimento lento intermediário, se inspirava nas melodias líricas das óperas, e podia ser em forma de ária.  Ou em forma (texto do blog Parlatório Musical) binária de dança ou, ainda, em estilo fugato. Já os andamentos rápidos tinham opções variadas: estilizações de danças, tema e variação; ritornello; rondó. Todos os andamentos deviam ter a mesma tonalidade. Em muitos casos de tonalidade menor, o último movimento termina na relativa maior ou na homônima maior.  



Principais compositores

Archangelo Corelli; Georg Philipp Telemann; Antonio Vivaldi; Georg  Freidrich Haendel; Johann Sebastian Bach.



Concerto solo 

É derivado do concerto grosso, mas apenas com um único solista e ao invés de quatro movimentos temos apenas três andamentos. Sua forma era baseada na abertura de ópera italiana: rápido-lento-rápido. 

As formas de cada andamento normalmente são as seguintes: o primeiro andamento em forma de imitação ou ritormello; o segundo andamento em forma de ária e o terceiro andamento em forma: de ritornello; dança ou rondó.

A fuga

A fuga foi o gênero que marcou o ponto máximo do estilo polifônico e é um estilo diretamente ligado a música do período Barroco. Considerado o estilo mais requintado e técnico de toda música polifônica.

A fuga é uma peça contrapontística. Sua provável evolução foi a seguinte: 

Cânone à Caccia à Ricercare/Canzona/Fantasia à Fuga Idade Média Século 16 século 17 

A forma da fuga segue a uma seqüência de seções com funções delimitadas

Exposição Episódio Stretto Reexposição

Na exposição o tema é apresentado ele é e melodia que será variada, se segue as respostas, ou seja, melodias que imitam o tema com mínima variação. Enquanto são tocadas as respostas, (texto do blog Parlatório Musical) a primeira voz expõe o contratema que é um contraponto ao tema. No final da seção há uma codetta (diminutivo de coda). 

As melodias se apresentam em registros diferentes, indo em direção ao grave ou ao agudo e modificando-se tonal e ritmicamente, as vozes dão ao ouvinte a percepção de que estão se distanciando uma das outras ou parecem fugir, daí o nome de fuga. 

No episódio o compositor imprime uma série de mudanças ou variações a melodia do tema.

2 tipos de variação melódica

No stretto ("estreito" em italiano) o tema vai gradualmente retoma à sua feição e  tonalidade principal original. A reexposição é a reprodução do início da música. Algumas outras seções podem ser incluídas excepcionalmente: prelúdio, fantasia e/ou toccata, ária e coda final.  

Esquema simplificado de uma fuga:


--> Postagem: Música Barroca: Surgimento da Ópera e a Ópera no século XVII

Referências:

História da música ocidental - Donald Jay Grout, Claude V. Palisca

Uma Breve História da Música - Roy Bennett

Masterpeices of music before 1750 - Carl Parrish

Music: The Definitive Visual History - Ian Blenkinsop

A Concise History of Western Music - Paul Griffiths

Harvard Dictionary of Music - Willi Apel


PS: Foda-se abnt



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