segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

Michael Hedges - Live on the Double Planet (1987)

Bom, uma das melhores coisas da vida é conhecer bem alguma coisa, diferente de saber da existência de um monte de coisas. Conhecer bem algo é ter noção das virtudes e defeitos. Ter familiaridade torna nossa apreciação mais profunda e valiosa. Pois quando apenas sabemos que algo existe nunca nos damos ao trabalho de entender e/ou conhecer seu podemos esta perdendo muita coisa boa e evitando muita coisa ruim.

Tudo isso que foi dito acima ilustra bem minha relação com este álbum de Michael Hedges. Por volta de 1989/90, um grande amigo vendo meu interesse pelo violão e a música instrumental me emprestou Live on the Double Planet. Admito que quando escutei com os "ouvidos de 89/90", pensei: "não tem nada demais". Mas como o tempo é pai da razão, uns dez anos depois eu encontrei o mesmo álbum em cd numa loja e resolvi escutá-lo, e pensei: "eu devia ser surdo ou completamente tapado, isto aqui é maravilhoso!". Bom, como disse: uma das melhores coisas da vida é conhecer para apreciar bem algo.

Como falar de Live on the Double Planet, sem falar de seu autor? Michael Hegdes [falecido em um acidente de automóvel em 1997] nunca em sua carreira freqüentou o mainstream, ele é o podemos dizer ser uma musico independente, inventivo e influente. A maior parte de seu trabalho [inclusive Live on...] foi lançado pela Windham Hill, um selo que muita gente liga a linha New Age. Longe das grandes gravadoras, ele controlava sua carreira à La Hegdes. Ele talvez nunca tenha seque passado da marca natural de grandes nomes [no mercado americano] do milhão de cópias, nem por isso forçava nada nesta direção.

Hedges foi um explorador da sonoridade de seu instrumento [o violão tipo folk]: timbres; afinações alternativas; construções melódicas e acompanhamentos inventivos. Estes elementos foram às paisagens visitadas por ele na forja de sua música.

Ele não só foi um compositor inventivo, também trouxe colaborações importantes a tecnologia de seu instrumento, exemplo disso, é um artigo sobre gravação e mixagem publicado numa revista brasileira especializada no assunto, onde o autor [reconhecido produtor e técnico] sugeriu os álbuns de Michael Hegdes [gravados e produzidos pelo próprio] como esmerados exemplos de gravação e mixagem do violão folk.

Estes são alguns fatores que fizeram da figura deste musico norte-americano, uma grande referencia para gente como Dave Matthews, Steve Vai, Pat Metheny, David Crosby, Joe Satriani e Ben Harper.

Mas o que há em Live on que o faz tão especial? Este álbum trás seu autor em uma de suas fases mais criativas. O álbum registra uma turnê entre abril e maio 1987, tendo como única exceção a faixa "woman of the world" faixa gravada em estúdio. Outra curiosidade sobre o álbum é fato de ele ser quase completamente solo, em palco temos apenas Hegdes seu violão folk [ou sua harpguitar]. Neste quesito novamente temos uma única exceção, o baixo fretless de Michael Manring em "rikki’s shuffle". Isso torna o álbum mais interessante, pois ele se mostra "cru", nem por isso musica deixa de soar menos sublime.

Bom, mas vamos falar da música contida no "live....", destaquei quatro faixas que exemplificam alguns aspectos apontados acima.

A faixa "because it’s there" trás a utilização do harpguitar instrumento bastante utilizado na década de setenta por Steve Howe do Yes, em seus ensaios acústicos. O harpguitar é um violão tipo folk com uma "plataforma" lateral onde são tensionadas de seis a dez cordas mais graves [vejam o vídeo no youtube]. Em "because...", além da sonoridade diversificada do instrumento, Hegdes também faz uso de uma afinação aberta [a qual não conseguir identificar], esta afinação abre ao compositor a possibilidade de variar de forma ágil e sem muitas dificuldades entre dedilhados e ataques sobre os harmônicos. Temos então um conflito de sonoridades, onde os dedilhados em cordas soltas e os harmônicos se contrapõem sobre um único tema que sofre leves variações. A música em si é extremamente minimal, o compositor se detém unicamente neste jogo de sonoridades sem se preocupar com desenvolvimentos temáticos, somos levados apenas pelas sonoridades em si.

Já "silent anticipations" surge também um elaborado jogo de sonoridades, mas aqui temos ao longo da faixa um processo de modificação do material musical. Esta música trás inicialmente uma melodia pontual e fragmentada, onde Hegdes mistura harmônicos e glissandos, esta melodia vai "ganhando" densidade e movimento, a partir do momento que são inseridos acordes movidos dentro de uma Ievada rítmica, esta Ievada junto a intensificação da dinâmica [também nos ataques nos harmônicos] vai gerando tensão de desemborca no final da faixa. O interessante desta música é observar como com tão pouco elementos seu compositor cria variedade, apenas explorando a dinâmica e transformação da sonoridade do instrumento através dela. Afinação utilizada [D;A;D;G;C;E].

A canção "ready or not" é um belo exemplo de como capacidade e inteligência de um músico pode criar um belo arranjo com um mínimo de elementos. Além disso, "ready or not" é uma canção inspirada, leve e bem acabada. Sobre o arranjo tem como raiz uma afinação aberta [esta eu consegui identificar "C;G:C;G;B;E"] que possibilita uma facilitação forja do arranjo. É importante entender que quando Hegde optar por uma afinação aberta, ele não procura a facilidade técnica e sim um novo conjunto de possibilidades sonoras. Mas voltando ao arranjo, o adjetivo marcante é bem apropriado para defini-lo, ele trás de tudo em termos de técnica de violão folk: glissandos; dedilhados; harmônicos; ligados e bends. Todos num curto espaço de tempo e tão bem arranjados que não soam como um amontoado como alguns exercícios de técnica, muitas vezes chamadas de obras musicais.

Para mim o "biscoito-fino" – como diria uma ex-professor meu – deste álbum seja a faixa ‘breakfast in the field". O que há em "breakfast..." que a faz tão especial? Bem, ela me remete a certeza de uma velha máxima: "o violão pode ser uma orquestra-de-colo". E o som do violão [Afinado da seguinte forma "C;G;D;D;A;E"] nesta faixa é manipulado como uma orquestra, uma orquestra impressionista ouso acrescentar. Pois após ouvir com cuidado cheguei a conclusão que esta faixa tem varias características que a aproximam da música de um Debussy, exagero? Talvez! Posso esta errado. Mas qual seria a graça de especular sem a impossibilidade de errar?. Sobre esta características posso citar algumas: o modalismo e a falta de um centro tonal fixo; a manipulação das sonoridades; um desenho formal despojado. O harmônico produzindo com o ataque a todas as cordas uma ressonância que introduz a faixa, nos dá o tom, este gesto musical parece buscar a expansão da sonoridade do instrumento, isso bem a moda do jogo de timbres muito comum na orquestração impressionista. Hegdes contrapõem arpejos longos e harmônicos; frases construídas sobre melodias fragmentadas [com direito a belos glissandos e ligados de dedo] e chords melodes. Através da audição tentei definir um desenho sobre o qual a faixa é construída, contudo, cheguei a uma conclusão bem interessante, a forma se constrói sobre pequenos episódios [um arpejo com um a dinâmica mas forte ou fraca seguida de uma frase no agudo ou grave, ou uma pequena serie de harmônicos seguida de um chord melode] que vão se sucedendo e em alguns casos retornam, temos um pequeno tema que apesar de se apresenta em pontos diversos não funcionar dentro da forma como "ponto de referencia". Tudo parece um improviso fugaz. O único ponto que pode ser apontado como referencia é o harmônico que abre e fecha a faixa. Esta características me remetem a música de Debussy uma possível e bem vinda influência.

Michael Hegdes foi um musico/compositor que merece se apreciado. Pois sua música é inspirada e profunda, e se observada com cuidado se revela uma bela obra musical.

Até a próxima Amigos.

Onde encontrar Michael Hegdes?

4 comentários:

Unknown disse...

E ai marcelo. Blz? Num li nada sobre esse cara. Nem conheço direito. Mas tenho uma sugestao. "Porra de teclado dos outros"!!!

Conhece a banda Fela Kuti? Tem um disco maravilhoso. Muito Bom. Depois te passo a referencia direito. Nao tou em casa agora, mas ja estou na cidade.

Theo

Félix Maranganha disse...

interessante, quero ver o que você vai dizer do Stratovarius (nada de bom, espero).

Willian Araújo disse...

Olá Marcelo, venho parabeniza-lo pelo blog e dizer que tenho usado ele para me informar um pouco melhor sobre música. É legal a maneira que tu expoem teus conhecimentos, de maneira que leigos como eu possam assimilar. Usei uma citação tua em um texto que escrevi sobre a Hazmat Modine.

Grande abraço e parabéns pelo blog!

Willian Araújo
willian186@hotmail.com
www.opiniaoposta.blogspot.com

Elemento Musical disse...

sem dúvida, um dos maiores músicos intérpretes de sempre. parabéns pelo blog

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