quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

Battles – Mirrored (2007)

O Battles para mim foi uma grande [e grata] surpresa, até meados do fim de novembro último, eu ignorava a sua existência, até que num momento de "zippador" de canais, me deparei com uma reportagem sobre uma apresentação deste grupo em São Paulo [acho que foi na TV Sesc?], a dita reportagem veio recheada com longos trechos do show, logo me chamou a atenção a sonoridade sofisticada do grupo. Bom, "resumindo a ópera", após boas apreciações do álbum Mirrored, pensei: bem, agora posso escrever algo interessante para vocês.

Mirrored é rock progressivo genuíno, ou seja, ele é inventivo, bem feito, acessível ao pouco convencional [detesto o termo experimental], estes, meus caros, são os ingredientes que fazem o rock progressivo. Diferente do que muita gente acredita [alguns piamente], o rock progressivo, não é simplesmente um amontoado de ritmos sincopados e complexos somados a arranjos grandiloqüentes e execução de escalas a 32 milhões de BPM por segundo. Bom, ISSO existe no rock progressivo, eu admito, mas não como um fim em si, apenas um meio, essa linha tênue, senhoras e senhores, separa a técnica como forma de expressão da mera e gratuita exibição. Assim como os grupos da história deste estilo [Maravishnu Orchestra; Pink Floyd; Yes; Premiata Forneria Marconi], o Battles dispõem das ferramentas que tem para criar uma estética que permita sua expressão.

Mas falando sobre este álbum, o que me agradou logo de inicio foi a sua belíssima gravação e a escolha dos timbres, especialmente da bateria e das guitarras. O som da bateria tem um som cheio, pesado e muito bonito [principalmente, o som do bumbo, caixas e toms, e com bons fones fica ainda melhor]. Já o som das guitarras – não sei, se é mera impressão minha –, mas em alguns momentos me remete ao "Close To The Edge" do Yes. Estes são apenas alguns detalhes que observo, contudo, é honesto dizer que toda a gama de sonoridades do álbum foi muito bem escolhida e colocada. Também é importante observar que não temos excessos nem virtuosísticos [apenas os necessários] nem sonoros, ou seja, temos em Mirrored apenas o que é necessário para a música funcionar.

Continuando, a música de Mirrored excetuando três faixas é quase que completamente instrumental. O Battles "impõe" sua estética pela já na primeira faixa do álbum com "race in", nela temos logo em primeiro momento vários elementos que serão revisitados ao logo do álbum: as levadas de bateria segura e dinâmicas; guitarras que trabalham bem mais como efeitos e complementos; a sonoridade profundamente grave e clara dos baixos; e finalmente, os sons sintetizados. Tudo isso distribuído de forma pontual, tal como uma bem feita orquestração.

Este pensamento pontual e cuidadoso perpassa cada faixa do álbum, assim sempre somos presenteados com uma constante expectativa sobre o que virar – e quase sempre teremos uma boa surpresa –, pois os novos elementos que são apresentados apesar de inéditos são orgânicos ao contexto das faixas, ou seja, não temos a impressão indigesta de uma concha de retalhos sonora. Isso faz do álbum atrativo a escuta. Ainda sobre esta organicidade da musica do Battles, ela me parece operada de uma forma bastante engenhosa, a banda quando não pega uma elemento melódico ou rítmico já apresentado para dá origem a um novo elemento [para quem não sabe este expediente é uma das coisas mais antigas na história da composição!], o pessoal do Battles "talha" ou escolhe uma determinada sonoridade para este novo elemento para que este não destoar da sonoridade global da faixa. Pensemos, é um processo de composição sofisticado [que é provavelmente fruto da observação dos músicos da banda na musica de concerto contemporânea] que opera a nível de sonoridade e não só das alturas [escalas; tonalidades e acordes] e ritmos.

Bem, gosto sempre de falar sobre uma ou mais faixas de cada album, do Mirrored escolhi "rainbow".

A faixa "rainbow" inicia com um gradual processo de acumulação de elementos e tensão, estes elementos [acentuação rítmica; introdução de instrumentos e sobreposição de harmonias] gera uma imensa expectativa, naturalmente nosso ouvido espera de um corte para "entrada" da música [como reza a formulas mais corriqueiras]. Contudo, simplesmente nada acontece, quando damos conta, a música já esta acontecendo faz tempo. Neste cenário, mesmo a mudança dos acontecimentos dentro da faixa é tão equilibrada [dos elementos da introdução para os ataques rufados na caixa junto com os fraseados das guitarras, seguidos de uma escala descendente que depois retorna ao começo da frase como um loop] que tudo nos soa natural. E quando toda sonoridade é liquidificada no meio da faixa isso não é nada estranho. Entretanto, o mais curioso vem a seguir, a tão esperada entrada da canção só ocorre após a execução de mais de um terço da faixa, a melodia que se segue é quase recitada, e não dura mais que singelos momentos finais da faixa.
Os oito minutos de "rainbow" passam tão despercebidos que chega a ser desconcertante, este "drible" na percepção se dá em parte pelo formato da música, as expectativas geradas para nós são transformadas em rotina [sem em nenhum momento seres tediosas], quebrada a necessidade de uma resolução para as expectativas, nossa percepção fica desancorada da necessidade de "respostas" para as perguntas musicais. Este esquema lembra muito a música dos minimalistas e se formos mais atrás encontraremos Debussy. Cópia? Não! Chamo isso de engenho, pois para transplantar tais "esquemas" sem soar piegas ou minimamente estranho, é necessária muita mão na massa e neurônios. Todas as faixas trazem exemplo da engenhosidade do Battles, cada uma a seu jeito.

Engenhosidade é um bom sinônimo para a forja musical do Battles em Mirrored. Muita gente pode achar um álbum difícil de escutar, mas o esforço é gratificante. Sou do partido que escutar música não é um ato passivo. Contudo, para se ter uma posição ativa em relação à escuta é necessário ter referencias da linguagem musical [muita gente acha que não...bom não vou discutir isso...mas pensemos... qual experiência mais rica...ler a poesia de Neruda ou Baudelaire em suas línguas mães ou viver de traduções??]. É tendo ou tentando ter uma escuta ativa da música que poderemos "afinar" não só nossa percepção, mas também valorizar o bom trabalho artístico, o bom engenho/artesanato artístico.

Abraço a Todos!!!

Onde encontrar o Battles?

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