sábado, 1 de novembro de 2025

O Famigerado "Diabulos In Musica", Paganinni, tritono e o "Mochila de Criança".


O senso comum relaciona o intervalo melódico/harmônico (sobre intervalos musicais e construção de escalas clique AQUI)chamado de tritono com entidades ou poderes ocultos. Bom, sobre isso tenho duas coisa para dizer:

1. É tudo balela;

2. É balela, mas rende umas mitologias legais!

E vamos concordar que uma boa história é mais divertida e atrai muito mais interesse "da geral" do que a realidade árida. 



Vamos pegar uma dessas história. Nosso personagem principal é o compositor e violonista italiano Niccolò Paganinni (1782-1840). Paganinni foi muito famoso em sua época por suas proezas virtuosísticas na execução de seu instrumento. Em torno de sua figura criou-se um mito. Nele Paganinni teria feito um pacto com o "Mochila de criança" para ter suas habilidades com o instrumento. Na real, Nick nunca fez força para desmentir essa história. Além disso, esse papo de pacto era muito mais cool do que dizer que suas habilidades eram fruto de muito trabalho, horas de estudo e aptidões físicas particulares. Afinal, por que não pegar carona no mito de Fausto? Mito festejado entre as altas rodas da cultura e sociedade européia graças ao genial Goethe.

Outro aspecto do mito de Paganinni que ele utilizava em suas composições intervalo de trítono (guardem esse termo!), também chamado de "Diabulos In Musica", a "dissonância absoluta"! O intervalo musical do sete-pele. Aqui temos duas noticias!!

A boa noticia é que ele realmente utilizava o intervalo de forma elegante em suas composições e improvisações. 

A má noticia que essa história que o "Diabulus in Musica" ou trítono são a capitoragem musical é uma mera anedota. 

O trítono é uma questão da teoria musical que sempre esteve presenta na música desde o nascimento da polifonia na Idade Média. Na época de Pagannini usar o trítono em suas composições era uma terça-feira qualquer para músicos e compositores. Os compositores do final do período Clássico e inicio do Romantismo começaram a expandir os limites da tonalidade e do senso comum de consonância. Inclusive, fugindo da consonância e valorizando a dissonância.

Como diria o He-man: O que podemos aprender com essa história? 

1). a linguagem, estruturação e lexo musical para os "não iniciados" e também (pasme!) para muitos músicos com formação beira o puro exoterismo hermético. Algumas questões podem paracer tão inacessível quanto os quipu, a "escrita" Inca com  barbantes é para nós; 

2) Paganinni era um performance (algo um tanto comum em sua época), que criou todo um mito ao redor de suas habilidades com o violino um mito. Ele foi um produto do zeitgeist no período romântico, soube usar de muito charme e carisma para criar para si uma imagem de Fausto musical. Essa fama gerou curiosas sobre as aventuras amorosas Paganinni. Da mesma forma que hoje, ao redor de figuras da cultura pop existem muitos mitos, em seu tempo Nick P. e seus colaboradores (por não se enganem, Já existiam as figuras do "empresários de artistas") e como sabemos os cronistas de época as vezes "se emocionam" na descrição de certas figuras de seu tempo. tudo isso gerou a figura do "maior violinista que já existiu" até "o fausto da música"; 

Sobre o Diabulos in Musica

A explicação sobre o que é o "Diabulus In Musica" é menos fantástica do que a ideia de um intervalo que convoca "o assoprador de flauta doce de criança" (mais apelido para senhor das trevas!).

A explicação é longa, mas resumindo: O termo "Diabulus In Musica" como aplicado na harmônia não surge logo de cara com as primeiras composições polifônicas (composições onde duas melodias diferentes não entoadas ao mesmo tempo e essas melodias se "combinam" harmonicamente por meio de certos intervalos musicais).  É provável que fosse uma expressão anedótica para apontar erros alguma natureza na composição ou em sua execução. Sendo a palavra diabulos uma especie de sinônimo para desacerto ou caos, por exemplo, uma entonação desafinada ou uma palavra do texto recitada fora de sua métrica. 

Assim, no período do nascimento da Polifonia Ocidental no século X (período de publicação dos tratados Musica Enchiriadis e Scolica Enchiriadis), o termo Diabulus In Musica não era o quê o senso comum ou a teoria musical entende atualmente. Os compositores e teóricos alertavam sobre alguma desordem estrutural nas composições, fossem esses "erros" de caráter melódico ou harmônico eram o cramolhão na música. Com o tempo o  termo Diabulus In Musica foi sendo confundido com outro termo, o Devil's Chord que designava o acorde que continha o trítono. 

Ou seja, a ocorrência do intervalo de trítono não era o "Diabulos In Musica" por si. Mas umas diversos problemas estruturais apontados em composições de um determinando gênero, de uma determinada época e até de uma determinada localidade.

Uma digressão 

Durante Idade Média a música sacra e a música secular que coexistiram e se influenciaram mutuamente. O desenvolvimento e estudo da teoria e estruturação da linguagem está durante quase toda a idade média ligada a música sacra.  Assim o léxico desenvolvido na música sacra passou a ser predominante também a ser usadas e reelaboradas entro da música secular (como o uso dos modos e as estruturas métricas). Nos finais da idade média tínhamos compositores que se dedicavam tanto a música sacra como a música secular como: Pérotin (1160-1230); Philippe de Vitry (1291-1361); Guillaume de Machaut (por volta de 1300-1377).

A música da baixa idade média até o inicio do renascimento apresentou um fascinante escalada no grau de sofisticação das composições polifônicas. Na analise de suas estruturas cada vez mais intricadas, surge o conceito de trítono para designar o intervalo de Quarta Aumentada (a explicação esse intervalo estar em outro texto do blog), rapidamente, sobre esse intervalo, podemos dizer que:

Dentro da teoria e sistema musical comum divide a oitava (o intervalo consonante absoluto em nossa cultura e encontrado em todas as culturas musicais) ao meio. 

Naquele período histórico e estético o uso desse intervalo provocava muitas dificuldades técnicas e estéticas para os compositores, dessa forma muitas escola de composição e compositores procuravam evita-lo. Assim, ele não era "proibido" por que evocava alguma entidade maligna. 

O gigante compositor Pierluigi da Palestrina (1525-1594) estruturou todo um estilo e técnica de composição polifônica baseado na ideia de evitar que esse intervalo estivesse presente em sua música sacra. Isso foi uma escolha estética que perdurou na música sacra até o período de Mozart e Haydn (século XVIII). 

Porém compositores como Guillaum Dufay (1397-1474) e Carlo Gesualdo (1566-1613) não tinham essa preocupação de evitar essa dissonância. Gesualdo, por exemplo, buscava cada vez mais dissonância (ou o que esteticamente na época se entendia por dissonância). Gesualdo que era conterrâneo de Paganinni, inclusive é uma figura histórica realmente "louca e trágica".

Como o tempo os compositores usaram e abusaram o trítono até procurando destaca-lo em momentos dramáticos das composições, como fez grande Hector Berlioz (1803-69) em suas Sinfonia Fantástica (1830) no quinto movimento intitulado "Sonho de uma Noite de Sabá". E depois dele Liszt e Wagner, até chegarmos na "liberdade da dissonância" com a música da passagem do século XIX para o XX e a "segunda escola de Viena" encabeçada por Arnold Schoenberg.

Então o que é considerado dissonância é só o questão estética de época ou estilo musical.

Apesar da dissonância ter se "emancipando" dentro do âmbito da música de câmara ou erudita. Na música popular ela tomou outro caminho. Por muito tempo, os modelos tradicionais de consonância e dissonância na música secular/popular ficaram muito ligados aos princípios musicais pouco sofisticados e experimentais. 

Já no século XX gêneros ligados ao Jazz (e gêneros musicais influenciados pelo Jazz) incorporaram intervalos dissonantes, isso por influencia que a música erudita tinha sobre aqueles músicos. Nem a música Pop se "salvou" dessa onda! Hoje a música pop muito mais ligada a modelos da música folk, blues ou música folclórica local (samba no Brasil, Milonga na Argentina e Uruguai) incorporam a dissonância e o uso do trítono. Sempre dentro da lógica clássica de "resolver o trítono". Claro, as formas de uso da dissonância e do trítono vão depender de aspectos como: estética, gênero musical, tendência/estilo musical de uma determinado período e local. Hoje o trítono ou Diabulos In Musica é algo cotidiano em 99%  nas estruturas melódicas da música atual. 

Adendo:

Conhecendo a anedota sobre Paganinni, muitos grupos e artistas da música Pop com: Coven, Black Sabbath, Pentagram e outras bandas começaram a usar o intervalo de trítono em suas melodias de forma explicita e com temáticas ocultistas ou de terror. Pois esses músicos, assim como ocorreu com Paganinni, criam uma lore ao redor em torno de si e suas obras. E tudo isso por causa de um intervalo musical e o uso confuso de um termo da teoria musical. 

O Famigerado "Diabulos In Musica", Paganinni, tritono e o "Mochila de Criança".

O senso comum relaciona o intervalo melódico/harmônico (sobre intervalos musicais e construção de escalas clique AQUI )chamado de tritono c...