quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Analisando a forma na música popular


A música popular (que inclui todos os gêneros musicais cotidianos: MPB, Rock, Samba, Pop e etc.) apresenta, de forma resumida, três elementos básicos que sinalizam o desenho da forma nas composições:

1.    Melodia: A melodia (do Grego μελῳδία - melōidía, "canção, canto, coral") é uma sucessão coerente de sons e silêncios dentro de uma sequência linear com identidade própria. No caso da musica popular o termo “melodia” sempre é usado para assinalar a voz principal. O desenho da melodia da voz principal dá sentido de início e fim a um trecho ou a uma composição. Ex.: Parabéns para você (domínio público); Mercedes Benz (Janis Joplin).

2.    Riff: Segue o mesmo conceito de melodia, contudo, o termo riff é aplicado a trechos melódicos produzidos pelos instrumentos. E muito comum no rock e pop o riff esta ligado a instrumentos como a guitarra, teclado ou outros como o saxofone. Ex.: Riff de guitarra Whola Lotta Love (Led Zeppelin); Teclado/Sintetizador em Jump (Van Halen); Saxofone em Who Can You Be Now (Men At The Work).

   Arranjo: Basicamente é o processo de organizar e elaborar diferentes aspectos da instrumentação, vozes, harmônia. Diferentes partes de uma canção podem ter diferentes 
     arranjos. Ou um canção pode sofrer um "releitura" através do arranjo (a releitura pode partir
     da instrumentação, passando por alterações na harmônia ou transposição de um gênero
     musical para outro. 

3.    Instrumentação: Conjunto de instrumentos utilizados numa composição ou um trecho musical. A variação ou modificação da instrumentação ou das funções dos instrumentos pode marcar um novo evento dentro da forma musical. Ex.: O riff inicial da canção Holiday (Green Day) que depois no final da canção é tocado pelo baixo. O riff de guitarra com efeitos sintetizados que introduz o refrão de Sixteen Saltines (Jack White).

¯Unidades de segmentação

Vamos chamar as “partes” que constituem uma canção de Unidades de Segmentação. Vamos aqui descrever cada uma das Unidades de Segmentação e apresentar sua função, além de exemplificar seu funcionamento dentro de uma composição.

Introdução ou Intro: indica o inicio da composição. Qualquer elemento do interior de uma composição pode ser usado com introdução: Riff, Refrão etc. Ex.: Em Walk Is Way (Aerosmith) O riff de guitarra é usado como Intro; em Rolling In The Deep (Adele) a estrofe introduz a canção; em All My Loving (Beatles) o refrão introduz a canção; O trecho instrumental da Introdução de Dance The Night Away (Van Halen) não repente na música.

Estrofe: é onde temos a melodia do vocal principal com os trechos iniciais da letra da canção. Ela é repetida dentro da canção. Em cada apresentação se repete a mesma melodia da forma mais exata possível para facilitar sua apreensão. A estrofe é repetida no mínimo duas vezes, com ou sem o mesmo texto. Também podemos ter duas estrofes com melodias diferentes numa mesma canção, mas isso é um caso de exceção.

Ponte ou Pré-Refrão: A Ponte é um mecanismo de ligação das partes da composição. Ela pode ser um trecho melódico vocal ou instrumental. Ela é chamada, muitas vezes, de Pré-Refrão quando antecipa e\ou cria a expectativa para o Refrão. A ponte também pode ligar o Refrão a outros trechos da forma como o Refrão e outra Estrofe, ou o Refrão ao Solo.
Ex.:
·         Como Pré-Refrão: trecho da canção Bad (Michael Jakcson) onde se inicia texto “Say the sky’s the limit...” até o Refrão;
·         Como ligação do Refrão e Estrofe: trecho da canção I Want To Hold Your Hand (Beatles) onde se inicia texto “And when I touch you, I feel happy inside...” até o Refrão.

Intermezzo: É a versão instrumental da Ponte. Também é chamada de intermezzo e pode ser um riff ou um trecho musical mais elaborado.
 Ex.:
·         Como Pré-Refrão: trecho da canção More Than A Feeling (Boston) duo de guitarras que antecipa o Refrão;
·         Como ligação do Refrão e Estrofe: Riff de guitarra da canção Walk Is The Way (Aerosmith).

Refrão: É o trecho onde a composição popular alcança seu auge. Ela traz em seu texto a frase ou sentença (normalmente que dá titulo a composição), como um elemento afirmação do tema tratado na letra. Sua melodia na maioria dos casos é diferente daquela que encontramos na estrofe e na ponte. Esta melodia se caracteriza por ser mais marcante, e em muitos casos, ela é reforçada por elementos vocais (backing vocais) da instrumentação (como riff). Além de ser de longe o elemento mais repetido da forma numa composição. Por este motivo é sempre o trecho mais lembrado de uma canção.

Solo: podemos dizer que o solo é a versão instrumental (ou às vezes vocal) do refrão. Contudo é comum haver composições sem solos. O solo pode ser executado por qualquer instrumento ou voz. Alguns solos são tão ou mais famosos que os refrãos das composições que participam.
Ex.:
·         Solo instrumental: solo de guitarra de Stairway To Heaven (Led Zeppelin); solo de violino de Dust In The Wind (Kansas).
·         Solo vocal: vocalize de The Great Gig In The Sky (Pink Floyd).

Quadro de exemplos de descrição da forma:

FUsar as legendas: Introdução (Intro); Estrofe (E); Pré-refrão (Pr); Ponte (P); Refrão (R); Intermezzo (I); Solo (S).


O método sugerido nesta postagem pode ser incrementado pelo analista. Por exemplo: analisar os aspectos ritmo e métricos dos diferentes trechos. Analisar as variações da instrumentação e/ou a função da instrumentação (ou instrumentos) dentro da estrutura.  


Século XIV: Ars Novæ: Guillaume de Machaut; Trecento Italiano: Landini; Século XV: Inglaterra: Dunstable; Ducado de Borgonha: Guillaume Dufay.

O século XIII foi um período de estabilidade, por outro lado, os séculos XIV e XV foram sua contraparte. Muitos fatores contribuíram para caracteriza este período como uma época de mudança de vários aspectos da vida e do pensamento, abrindo caminho para o Renascimento. O poder e a unidade da igreja centrada na figura do papa de Roma foram paulatinamente perdendo sua força. As causas disso foram as de lutas internas da própria igreja (a “grande cisma”). 

Tragédias como a Guerra dos Cem Anos e a Peste Negra geraram um enfraquecimento do poder político e econômico no sistema feudal. Seguindo o caminho inverso o crescimento das cidades alavancou politicamente a burguesia citadina frente à aristocracia. No campo do pensamente, o século XIV começava a se fundamentar a divisão entre estado e igreja. Com a secularização e racionalização do estado, os costumes também passam a ter também um caráter mais secular. 

No campo da cultura, temos acentuado o florescimento da literatura em língua vernácula: Divina Comedia de Dante; Decameron de Bocácio e os Contos da Cantuaria de Chaucer são alguns exemplos desta tendência. A Europa desfruta de um maior numero de eruditos e estudiosos não mais ligados ao clero. Nas artes plásticas Giotto rompe com o formalismo bizantino praticado na Idade Média, inaugurando uma arte puramente européia.   
A Ars Novæ e Philippe de Vitry

Termo Ars Novæ (arte nova) foi cunhado pelo poeta e compositor Philippe de Vitry, usado inicialmente como título de seu tratado sobre composição escrito entre 1322 e 1323 (temos a direita uma das paginas do famoso tratado), passou a ser utilizado pelos músicos da época para designar o novo estilo de escrita musical (harmônica e rítmica) praticada naquele período. Vitry também é conhecido pelos primeiros exemplos da polifonia no estilo da Ars Novæ, que são os motetos do Roman de Fauvel, notadamente Garrit gallus – In nova fert – Neuma. https://www.youtube.com/watch?v=Pkb_nLL8GVk

A Ars Novæ teve suas maiores expressões na França e na Itália. As principais diferenças em relação à Ars Antiqæ foram: nos aspectos formais, no ritmo, da harmonia e dos gêneros. A Ars Novæ passa a privilegiar os gêneros de música secular, como o moteto e o madrigal, também abrindo espaço para o surgimento e popularizaram novos gêneros musicais. Em termos de notação musical neste período aperfeiçoou-se o sistema de pauta, modificaram se desenhos e valores das notas, e passou-se a utilizar diversos símbolos novos muito mais flexíveis e exatos para descrever a música prática. Também temos o uso mais extenso das fórmulas imperfeitas de compasso, ou seja, compassos de divisão binária.

Notação

Ao longo da Ars Novæ as medidas de duração das notas se tornaram cada vez mais definidas, assim como as indicações de métrica no início da pauta possibilitando várias combinações entre os valores das notas e os padrões métricos. O pulso básico girava em torno de 80 bpm no metrônomo moderno, mas eram reconhecidas velocidades alternativas como rápido, moderado e lento.

Havia três relações métricas principais nesse período: Modus, Tempus e Prolatio, eram relacionadas às formas perfeitas, imperfeitas e alteradas, resultando em doze esquemas básicos.

Modus relacionava a longa com a breve, estava à longa perfeita (27 unidades), longa imperfeita (18 unidades) e a breve (9 unidades); no terceiro grau.
Tempus, relacionando a breve com a semibreve, estavam a breve perfeita (9 unidades), a breve imperfeita (6 unidades) e a semibreve menor (3 unidades).
Prolatio, relacionando a semibreve com a mínima, estavam a semibreve perfeita (3 unidades), a semibreve imperfeita (2 unidades) e a mínima (1 unidade).


Figura 1
Havia também o Maximodus, que relacionava as proporções entre os três tipos de nota longa, a longa tripla ou longuíssima (81 unidades), a longa dupla (54 unidades), e a longa simples (27 unidades). Porém era bem menos utilizado. Também vemos o surgimento do punctus additionis, que adicionava a uma nota metade do valor e esta até hoje em uso. Também havia o punctus divisionis, retirando da nota metade do seu valor. Surgi em conseqüência disso a síncope, que desloca do pulso rítmico padrão.

Na Idade Média tínhamos duas denominações básicas para as formulas de compasso: "perfeito" e "imperfeito", elas se referiam às divisões ternárias e binárias respectivamente. Com o passar do tempo se desenvolveu um sistema de sinais que usava círculos e semi-circulos para determinar o numero de Modus; Tempus e Prolatio nas formulas de compasso "perfeito" e "imperfeito"


Figura 2

Musica Ficta

Musica Ficta vem do latim e significa: música falsa ou simulada. Refere-se às alterações cromáticas, que deviam ser realizadas pelo executante. A musica ficta era utilizada para evitar intervalos harmônicos ou melódicos indesejáveis, por exemplo, o trítono "diabolus in musica", se empregavam notas fora da escala modal usada na obra. O trítono era inicialmente evitado, pois dificultava a afinação dos cantores, mais tarde, passou a integrar o grupo de intervalos utilizados como uma forma de reforçar o sentido de conclusão de uma melodia. A musica ficta era utilizada da seguinte forma: quando em uma voz tínhamos um Fá em outra voz um Si-natural esta nota era alterada para Si-bemol evitando a formação do tritono; ou se alterava uma nota para que ela tomasse a função de sensível na resolução, por exemplo, elevar o Fá-natural para Fá-sustenido para resolver na nota Sol. Estes termos foram adotados pelos teóricos a partir do século XII até o século XVI.


Figura 3
Este sistema de escrita dos ritmos e uso de da musica ficta se apresenta inteiramente desenvolvido nas obras de Guillaume de Machaut.

Guillaume de Machaut

Natural da cidade de Reims (1300 – 1377) foi o principal compositor, poeta e militar francês do século XIV, expoente máximo da Ars Novæ. Machaut estudou em Paris alguns anos, aprendendo o que havia de mais novo em termos de composição na época. Registros papais datados de 1335 mostram que Machaut passou a serviço do Rei João de Luxemburgo, da Boêmia, que serviria o rei entre de 1323 a 1346, como secretário; clericus elimosinarius e amigo. Neste período viajou pela Europa nas campanhas militares do Rei João. Em 1330, ele é nomeado cônego de Verdun, e de Arras em 1332. Em 1333 é nomeado cônego de Reims. Com a morte do rei em 1346 na batalha de Crécy, passou a servir então a sua filha, Bonne de Luxemburgo, assim como a Carlos, o Mau, rei de Navarra e ao duque de Berry. Desfrutou da reputação de ser um dos maiores compositores e poetas do seu tempo. Em 1359 luta na defesa de Reims sub o ataque de Eduardo III, e em torno a 1362 apaixona-se pela jovem de 19 anos Péronne d'Armentiers, para quem escreve o famoso poema Dit du Vergier. Machaut morre em Reims, em 1377.

Machaut inicialmente compôs no estilo da Ars Antiquæ. Contudo passou a adotar as inovações da Ars Novæ, após conhecer as teorias de Philippe de Vitry. Como a utilização do compasso binário e o isorritmo. Seu estilo é marcado por uma grande riqueza rítmica. Outro aspecto importante da sua obra é o uso cada vez mais consciente das cadências das frases melódicas.

Machuat compôs músicas sacras e música secular para seus poemas, inicialmente em estilo monofônico, seguindo a tradição de Adam de La Halle, e posteriormente em estilo polifônico. Uma das suas obras mais famosas é Ma fin est mon commencement, que é uma das peças mais representativas de seu gênio, onde o título esclarece sua construção, nessa peça a três vozes a melodia da primeira voz é repetida na segunda voz só que em sentido de espelho, ou seja, de trás para frente, a segunda voz inicia com a última nota da primeira voz e segue em sentido invertido para nota inicial. Já a terceira voz tem uma melodia diferente, mas que sofre o mesmo tratamento, ou seja, na metade da peça ela passar a ser cantada de trás para frente. (Ma fin est mon commencement: https://www.youtube.com/watch?v=WLEmVxqye4g)



Machaut também foi o primeiro compositor a compor música para todo o ordinário da missa, a famosa Missa Notre Dame.

Músicas: Missa de Notre Dame, 24 motetos, Hoquetus David (hoqueto duplo), cerca de 42 baladas, cerca de 22 rondós, cerca de 33 virelais, 19 lais, 1 complainte, 1 chanson royal.
Poemas, crônicas e compilações: La Prise d'Alexandrie, Dit du Vergier, Confort d'Ami, Fontaine Amoureuse, Remède de Fortune.

Obras importantes de Machaut incluem: De Toutes Flours, Le Lay de Bonne Esperance, Douce Dame Jolie e Messe de Nostra Dame.

Técnicas de composição de Machaut

Hoquetus a palavra tem sua origem no francês antigo hoquet, que significa choque, interrupção brusca, soluço. Designa uma técnica de alternância rápida de notas, alturas e acordes, gerando um ritmo entrecortado característico. Foi extensamente utilizada em melodias a duas ou mais vozes polifônicas. Esta técnica foi usada na missa Notre Dame e no Duplum Hoquetus David.

Isorritmo é a repetição regular de uma figura rítmica como elemento unificador na construção da forma. Este método usado desde o século XIII, ele não só era usado sobre o ritmo também em desenhos melódicos, pois junto com a figura rítmica era associada uma linha melódica, esta estrutura era chamada talea. Contudo, a talea não necessariamente precisava repetir um fraseado de forma exata, algumas vezes ocorriam variantes nas combinações de alturas e comprimentos das figuras rítmicas. Esta técnica foi utilizada principalmente como cantus firmus, ou seja, estava muitas vezes nas vozes graves, mas às vezes ela era estendida a todas as vozes da textura polifônica. Este processo sistemático deixou de ser utilizado como padrão no século XV, mas o Isorritmo continuou a ser usado de forma mais livre por toda história da música.


Figura 4 Isorritmo


Figura 5 aplicação da Talea

Música Sacra

A Missa de Notre Dame tem um destaque especial dentre as obras de Machaut, ela inaugura de uma nova era. Foi a primeira missa composta para quatro vozes (tenor, contra-tenor, motetus e triplum) em estilo polifônico. Ela também foi a primeira missa (e obra de grande escala) composta sobre todo ordinário por um único compositor que temos registro. Ela inaugura a tradição de se compor obras com uma identidade de estilo e temática. Antes a música das missas era verdadeiras coletâneas de obras diversas, sem qualquer relação musical ou de estilo entre elas, um exemplo deste costume é a Missa de Tournai

Na missa, Machaut utiliza a polifonia para as partes do Ordinário, enquanto nas partes do Próprio é usado o estilo monódico gregoriano. Nas melodias da parte polifônica, ele dispõe de duas técnicas: A primeira é a técnica do cantus firmus, onde o tenor canta notas longas enquanto as outras vozes trabalham os melismas nos novas estruturas rítmicas acima e abaixo da tessitura do tenor. A segunda, em estilo silábico, isto é, uma nota para cada sílaba, todas as vozes cantam juntas o texto. Outra característica da missa é sua adaptabilidade, ela foi composta para um dia de festa mariana, seja ela: a Natividade, a Purificação, a Anunciação ou a Assunção, onde bastava conservar o ordinário e adaptar o próprio para cada ocasião. Machaut utiliza em toda a peça os chamados ritmos modais, e, lhe era necessário ouvir a música para conseguir entendê-la e reelaborá-la. A missa é considerada a primeira grande obra racional cíclica composta contrapontisticamente, isto é, foi a primeira missa completa composta com a reexposição temática. 
  
Partes da missa Notre Dame (https://www.youtube.com/watch?v=mvIEA2dBKGA)

1.Intróito: parte do próprio, cantochão em uníssono.
2.Kyrie: parte do ordinário, polifonia cantus firmus.
3.Gloria: parte do ordinário, polifonia silábica.
4.Gradual: parte do próprio, cantochão em uníssono.
5.Aleluia: parte do próprio, cantochão em uníssono.
6.Credo: parte do ordinário, polifonia silábica.
7.Ofertório: parte do próprio, cantochão em uníssono.
8.Prefácio: parte do próprio, cantochão em uníssono.
9.Sanctus: parte do ordinário, polifonia cantus firmus.
10.Agnus Dei: parte do ordinário, polifonia cantus firmus.
11.Comunhão: parte do próprio, cantochão em uníssono.
12.Ite, missa est: parte do ordinário, cantochão em uníssono.

Música Secular

A música secular de Machaut se baseia em parte na continuação da tradição dos trouvères. Machaut fez uso das chamadas formas fixas. Entre elas, a mais largamente usadas por ele foi a balada ou o viralai. Sua característica é a forma Abba, onde A é o refrão; b a primeira estrofe que é repetida e finalmente a que é segunda estrofe. Em termos de música polifônica Machaut compôs baladas para: duas; três ou quatro vozes. As baladas a duas vozes passam a ser chamadas de baladas duplas. Tendo cada voz seu próprio texto, como por exemplo: Quant theseus – Ne quier veoir (https://www.youtube.com/watch?v=T0vxVPyr-do). Outra forma utilizada por Machaut com grande destaque foi o Rondeau, assim como o viralai, os rondós utilizavam apenas duas frases melódicas para musicar o texto, eram utilizadas no seguinte esquema ABaAabAB (letras maiúsculas são os refrões) com na misteriosa Ma fin est mon commencement.

Trecento Italiano e Landini

A música do Trecento italiano (séc. XIV) guarda suas diferenças com aquela produzida na França, Pois na Itália a música privilegiou os gêneros seculares. Também o contexto social e político que a cercava divergiam do existente da França. Enquanto a monarquia que unificava a França, na Itália as cidades-estados conviviam animosamente e mantinham disputas turbulentas, e a igreja não tinha tanta força como instituição, pois os principais Bispos, Arcebispos e até os Papas eram eleitos ou faziam parte das famílias que governavam as cidades-estado italianas, como por exemplo, os Bórgias.  

Em muitos aspectos os trovatori italianos seguiram os passos dos seus iguais na França e produziram um grande volume de canções a partir de materiais folclóricos, muitas delas eram acompanhadas por dança e instrumentos. Contudo muito pouco desta música chegou até nós, isso se deu pelo fato de esta música ser em grande parte improvisada. Uma exceção foram as laudes monódicas que eram músicas executadas nas procissões religiosas. Os principais centros de produção musical eram Bolonha, Pádua, Modena, Perugia e principalmente Florença, principal centro de cultura da Itália. Neste ambiente a música polifônica era um requintado entretenimento da classe aristocrática.

Os principais exemplos da música polifônica da Itália surgem a partir de 1330, sendo uma de suas mais famosas fontes o códice Squarcialupi. Antes deste período pouco desta música foi registrada.

A maior parte da música se divide em três gêneros principais:

O madrigal: escrito normalmente para duas vozes, eram baseados em textos com duas ou três estrofes cada uma com três versos, todas as estrofes tinham a mesma melodia, contudo no final surgia o ritornello que era um par de versos adicionais com uma música diferente. Os temas eram sempre idílicos, amorosos e satíricos. Este gênero se tornará o mais importante da música secular no século seguinte.

A Caccia: era uma música de expressão animada, sua forma poética era irregular, muitas caccias tinham um ritornello. Suas melodias tinham um estilo canônico, ou seja, a primeira voz iniciava a canção com um trecho melódico que quando terminado era repetida na segunda voz enquanto a primeira iniciava outro trecho melódico, assim os trechos eram sobrepostos.

A Ballata: era outra composição polifônica que surgiu após o madrigal e a caccia. As ballatas que eram canções monódicas do séc. XIII para dança.

Esta última se tornou famosa graças ao grande compositor e poeta italiano Francesco Landini, ele foi conhecido em sua época como um poeta do nível de Machaut, e teórico de renome. Compôs cerca de 90 ballatas para duas vozes e 42 para três, ainda subsistem uma caccia de dez madrigais de sua autoria. Uma de suas composições mais características é a ballata Non avrà ma’ pietà (https://www.youtube.com/watch?v=vzloIi9UtVU). Sua estrutura seguia o seguinte esquema, um refrão de três versos chamado de Ripresa (A), seguido de uma estrofe de dois versos que era repetida, esta estrofe tinha uma melodia diferente do refrão e era chamada de Piedi (b), logo depois aparecia a volta (a) que era uma estrofe de três versos com a mesma melodia do refrão,e finalmente a segunda ripresa:


Figura 6 estrutura da ballata de Landini

Inglaterra: Dunstable

No séc. XIV a música produzida nas ilhas inglesas era muito admirada na França e nos Países Baixos, isso graças às sutilezas que a diferenciavam da música do continente. A tradição da música inglesa remonta o cantochão da liturgia sarum da catedral de Salisbury. Um dos aspectos marcantes era a estreita relação entre música sacra e popular, isso era um forte elemento de contraste com a música do continente. 

A música polifônica nas ilhas teve uma influencia inicial dos compositores de Notre Dame, contudo logo foi desenvolvido um estilo próprio. A principal prova disso é o uso comum de três vozes nas composições como conductus e motetes e a forma musical chamada de moteto rondellus. A principal característica desta ultima era a troca das melodias entre as vozes e dos textos entre as vozes extremas. O moteto iniciava com uma introdução em estilo cânone e logo em seguida se iniciava o rondellus, ou seja, a troca entre as melodias.

Vejamos o esquema feito a partir do moteto Fulget coelestis cúriaO petre flos Roma gaudet:

Figura 7

Outra característica da música inglesa era Fauxbourdon (em francês para baixo falso), esta técnica de harmonização era usada para encadear as vozes por sucessões ter intervalos de terças e sextas. Numa forma simples o fauxbourdon consiste de um tenor (baseado num cantus firmus) e duas outras vozes (duplum e triplum respectivamente), onde muitas vezes uma ou as duas vozes superiores se encontravam em intervalos de terça (duplum) e sexta (triplum) em relação ao tenor. Esta técnica servia para evitar o tritono e a monotonia nas melodias ou gerar uma cadência. Normalmente, apenas uma pequena parte de uma composição emprega a técnica fauxbourdon.  No trecho acima temos uma típica condução de Fauxbourdon.


Figura 8

John Dunstable foi o principal compositor inglês do séc. XIV acreditasse que ele esteve a serviço do Duque Bedford entre 1422 e 1435, e com ele combateu nos exércitos ingleses que enfrentaram Joana d’Arc. São conhecidas cerca setenta composições dele em vários gêneros polifônicos de sua época: missas, motetes isorritmicos, canções seculares e obras a três vozes sobre textos sacros. Entre seus motetes mais conhecidos são Quam pulcra es e Veni Creatos Spiritus composição a quatro vozes que combina o hino e a sequentia feitas sobre mesmo texto.  Dês suas composições seculares a mais conhecida é O Rosa Bella esta canção se tornou tão popular que foi usada como base para diversas outras obras, incluindo obras de outros compositores como Ockeghem. 



Figura 9 Quam pulcra es 

Ducado da Borgonha: Dufay

O Ducado da Borgonha foi um dos estados mais importantes da Europa medieval, independente entre 880 e 1482. Localizado norte e do leste da França, Bélgica a Holanda. Graças à sua riqueza e território vasto, este ducado foi política e economicamente muito importante. Tecnicamente vassalos do rei de França, os duques da Borgonha souberam conservar a autonomia, manter uma política própria e ser suseranos de diversos condados e senhorios, incluindo o condado da Borgonha.

No final do séc. XV existiam por toda Europa as chamadas capelas, que eram grupos de músicos contratados por reis, papas, príncipes, que por sua vez disputavam os serviços de músicos e compositores eminentes. Os duques da Borgonha mantinham uma capela com um corpo de músicos e compositores de grande notoriedade que forneciam qualidade ao serviço religioso e também entretenimento a corte. O Duque Felipe, o bom, que governou entre 1419 e 1467, mantinha não só uma capela, mas também um grupo de menestréis de diferentes nas nacionalidades, isso concedia a música do ducado a possibilidade de esta sempre em contatos com diferentes estilos e gêneros.

A Escola da Borgonha é um termo usado para indicar um grupo de compositores ativos na corte dos duques de Borgonha. Os principais nomes associados a esta escola são: Guillaume Dufay , Gilles Binchois. A Escola da Borgonha foi primeira fase do que viria se designar como a Escola Franco-Flamenga, a prática musical do Renascimento na Europa.

Compositores da Escola da Borgonha deram uma atenção especial a música secular e suas formas. As mais utilizadas foram: Rondeau, ballada, virelai e bergerette, todas genericamente conhecidas como chansons. Uma característica das Chansons era sua divisão binária com tercinas que às vezes passavam de um compasso 3/4 para 6/8. Contudo os compositores borgonheses continuaram a escrever suas Ballades na forma comum aabC.

Delas o Rondeau foi a mais popular, a maioria dos rondós eram escritas para três vozes, os textos eras normalmente em francês, embora existam alguns em outras línguas. Na maioria dos rondós, a voz mais alta (o superius ou discantus) cantava o texto e as demais vozes eram mais provavelmente tocadas por instrumentos. 

A maioria dos compositores também escreveu música sacra em latim. Eles escreveram: missas e motetos e Magnificats. Durante o período, a missa foi transformada através de diferentes formas de escrita pelos compositores. Havia uma preocupação em unificar estilística e tematicamente as partes do ordinário da missa, para isso foi largamente utilizada técnica de motivo-principal, repetidos em ciclos sobre cantus firmus. Outras técnicas mais conhecidas também eram utilizadas como: do isorrítmica e taleas nas missas; e nos motetos a técnica empregada foi fauxbourdon para padronizar as cadências.

A música instrumental para dançar largamente foi cultivada na corte de Borgonha. Uma peculiaridade do estilo instrumental duques de Borgonha é que preferia por instrumentos de muito volume sonoro como: trompetes, tambourins, charamelas, gaitas de foles. As formas Instrumentais incluíam a danse basse ou bassadanza, que era uma dança cerimonial em ritmo relativamente lento. Normalmente ela estava em compasso binário subdividida em três tercinas (em notação moderna, 6 / 8), havia também as danças rápidas como o tordion ou pas de brabant, executadas imediatamente a seguir da dança lenta.


Guillaume Dufay

Guillaume Dufay (5 de agosto de 1397, Beersel, atual Bélgica — 27 de novembro de 1474, Cambrai, Bélgica), foi um compositor franco-flamengo, considerado o maior músico da primeira metade do século XV e um dos nomes mais importantes do período de transição da música medieval para a renascentista. Guillaume Dufay representou a primeira geração da Escola franco-flamenga. Seu modelo de missa polifônica, baseada no Cantus firmus, teve grande aceitação entre os músicos até o final do século XVI. 

Algumas das características de sua música foram herdadas pelos músicos posteriores a ele, como a divisão das vozes em grupos em suas composições: Discantus (soprano); Contratenor; Tenor, e mais adiante nas chamadas missas cantus firmus, surge o tenor-bassus uma voz mais grave abaixo do tenor. Outro aspecto era a aplicação do fauxbourdon em cadências de finalização de forma sistemática, tanto que se tornou uma marca registrada do compositor. Assimilou as técnicas francesa, inglesa e italiana, gerando uma síntese surpreendente. 

Criou o modelo perfeito da missa polifônica construída sobre um Cantus firmus (tema litúrgico ou profano que serve de base e fio condutor a toda composição), seu modelo que foi praticado até o final do século XVI. Escreveu nove missas (entre as quais Se la face ay pale, L'Homme armé caput, Ecce ancilla domini, Ave Regina coelorum), 35 fragmentos de missas, 5 Magnificat, cerca de 80 motetos e hinos (sagrados ou profanos), 75 canções polifônicas francesas. 

Missa cantus firmus

É importante saber que para os compositores do Ducado de Borgonha a forma da missa era o principal canal de exposição de suas inovações musicais.  

Os compositores borgonheses desenvolveram um estilo de composição especifico para música sacra, pois, sabemos que os estilos de composição de até então eram utilizados tanto na música secular quanto sacra. O estilo criado pelos borgonheses foi conhecido como missa cantus firmus ou missa tenor. Nela uma mesma melodia era usada em todas as partes da missa na voz do tenor. Concedendo a obra uma unidade musical e estilística as obras. Outro aspecto é que muitas vezes a melodia escolhida para o tenor não era reproduzida a risca, num primeiro momento, a técnica consistia em apenas iniciar cada parte da missa com o mesmo trecho melódico no tenor.  

Num período mais tardio em muitos casos a melodia servia apenas como fonte para material temático para ser usada no tenor.

Até 1420 as partes da música do ordinário da missa eram composições independentes, que muitas vezes não tinham qualquer relação musical ou estilística, elas eram simplesmente compiladas por encarregado do serviço musical, até então a única exceção foi a missa de Machaut. 

Junto ao uso de uma melodia como elemento unificador nas composições, os compositores de Borgonha passaram utilizar uma nova voz greve abaixo do tenor, o Contra-tenor bassus. O tenor passou então ser uma voz intermediaria. Já as duas vozes sobre ela (os antigos duplum e triplum) passaram a se chamar de contra tenor altus e superius. Isso se deveu a fato das experimentações feitas pelos compositores sobre as cadências utilizando o fauxbourdon.

Ainda sobre as melodias utilizadas no tenor elas poderiam ter sua origem no repertorio do cantochão, quanto em melodias de músicas seculares. Um famoso exemplo desta pratica é a Missa L’homme Armé de Dufay, onde o tenor foi extraído da canção de mesmo nome.


Figura 10 Chanson L'homme arme

As chansons escolhidas para servirem de tenor nas missas, normalmente eram bem conhecidas isso facilitava para o compositor no momento do arranjo. A canção L’homme Armé foi fonte de varias composições, quase todos os compositores escreveram numerosas missas escritas sobre esta melodia, entre o fim do séc. XV e o inicio do séc. XVI, de Dufay a Ockeghem e Palestrina.

A melodia de L’homme Armé chegou até nós em varias versões, mas acreditasse que era uma melodia monódica para ser cantada por um tenor. Sua melodia pouco angulosa e métrica regular deviam ser aspectos atraentes para seu uso em tão larga escala pelos compositores por mais de meio século.
 
Para observamos um caso de uso, dividimos a melodia da canção em seis partes: A; B; C; D e E. Assim podemos observa tanto cada trecho melódico que forma separada. Na pagina a seguir temos os primeiros 29 compassos do Agnus Dei da missa L’homme Armé de Dufay. Aqui o compositor reproduz de a melodia em sua integra.


Figura 11 Agnus Dei da Missa L'homme arme

Umas poucas palavras sobre os Suno IA da vida e o apocalipse musical.

Aviso: esse texto contém ironia e é uma opinião pessoal incapaz de qualquer ingerência sobre a realidade... Mas já que eu tinha tempo livre ...