terça-feira, 29 de abril de 2008

Apreciação da música instrumental; o Belo musical e Hanslick


Intro.

Neste Blog tenho abordado muito a música instrumental, basta observar que das [poucas] resenhas aqui postadas a maior parte trata de álbuns centrados nesta categoria musical. Bom, tento dentro dos meus limites apresentar a leitor conteúdos que possam despertar a sua percepção aos elementos musicais de cada obra, ou seja, tento dar ferramentas para uma apreciação mais objetiva [ou ativa como gosto de de referir]. Meu objetivo é em primeiro lugar afastar da tal mística que reza que a apreciação musical deste tipo é coisa apenas para “iniciados”, e em segundo lugar, ajudar a exorcizar o tal subjetivismo individual que o pensamento romântico do século XIX nos deixou de herança em relação a apreciação da música instrumental. O que seria este subjetivismo individual? Vou dá uma exemplo bem rasteiro: os primeiros compassos da V sinfonia de Beethoven [o famoso tan-tan-tan-TAMM], este trecho musical foi explorado com as mais variadas associações imaginarias: deste a mais requintados como a surpresa trágica da visão do compositor morto nos primeiros minutos do filme “Minha Amada Imortal” deste as mais simplórias e ridículas, como na cena de um filme [que não me lembro o nome] abrem o vaso sanitário e lá encontram um diamante no fundo. E quem não já teve alguma situação que lembrou deste trecho? Bem, mas se formos rigorosos chegaremos a uma decepcionante conclusão: este primeiro trecho de 4 compassos não “diz” nada, tecnicamente, ele é apenas uma construção rítmica acéfala [sem tempo forte no começo] sobre uma nota que depois vai para uma nota longa um terça menor abaixo da primeira. Então de este trecho é só isso, o que nos remete a impressão de surpresa? Será o conteúdo melódico? Se for bom a torcida do Flamengo em seu tradicional MEN-GOOO!, também é dramática, porque temos a mesma melodia de terça menor descendente em Beethoven e no grito dos torcedores.

Estamos numa encurralada, se o grito de guerra de uma torcida de futebol tem o mesmo conteúdo melódico do famoso tema de um dos maiores [talvez o Maior] compositores da História Ocidental, porque então a música do primeiro não é considerada uma obra de arte como do segundo? As duas são emocionais e também causam algum tipo de comoção, portanto em termos subjetivos elas podem ser iguais, então o que as diferencia? Resposta simples a forma que o conteúdo musical é manipulado ou trabalhando.
Pois o conteúdo emocional puro e simples não pode se a única ferramenta na apreciação musical, não que não seja necessário, mas não é essencial, isso por causa de sua imprecisão, então como avaliar o peso deste conteúdo subjetivo dentro da apreciação musical?

Este é ponto fundamental do ideário estético defendido pelo esteta e critico austríaco Eduard Hanslick, em seu livro “Do Belo Musical”. Hanslick defende que a subjetividade e/ou os sentimentos supostamente despertados pela música, não são base para apreciação do Belo [valor artístico] nesta arte. O autor afirma que a beleza da música não esta ligada representação de qualquer sentimento, e sim na elaboração de idéias puramente musicais [conteúdos musicais]. Assim a representação do Belo em música estar ligado ao binômio forma concreta e sugestão à subjetividade e não apenas ao subjetivismo externo, ou seja, do ouvinte.

Eduard Hanslick.

Nascido em Praga em 11 de Setembro de 1825, filho de pai Bibliotecário e Musico e mãe herdeira de um banqueiro judeu, Eduard Hanslick teve uma educação esmerada tanto na Música como nas ciências ligadas às humanidades, foi graduado doutor em direito pela Universidade de Viena, onde mais tarde se tornaria professor ministrando a disciplina de estética ligada a música, também durante toda vida foi pianista e compositor. Graças a esta bagagem intelectual Hanslick tornou-se o primeiro critico “profissional” de música, atividade esta que exerceria durante toda vida com grande aplicação.

Em sua época, a primeira voz a se levantar com propriedade contra a estética dos sentimentos e mais particularmente contra o wagnerianismo, sobre isso Fubini escreve: “Hanslick representa o anti-Wagner por excelência, a primeira reação violenta e radical contra o romanticismo, contra a concepção da música como expressão dos sentimentos ou qualquer outro conteúdo” .1

Esta critica contra “concepção da música como expressão dos sentimentos” foi a mola mestra de sua carreira de critico, este posicionamento levou-o a publicar em 1854 seu ensaio “Do Belo Musical”, onde o autor aprofunda em sua critica, além de tentar esclarece-la e embasa-la. Este texto é uma referência na história dos estudos estéticos dos últimos anos do Romantismo, pois além de atacar diretamente concepções quase dogmáticas da época, este ensaio abre caminho para outras abordagens analíticas e estéticas, que surgiriam a seguir, como por exemplo, os sistemas analíticos de Schenker e Reti.

Vale observar que o valor do texto não esta apenas no seu teor critico e polêmico, mas também na forma que o conteúdo deste é exposto de defendido, pois os textos produzidos na primeira metade do Séc. XIX tinham com coloca Fubini “...algo dilletantesco, impreciso, extemporâneo...”2, já com Hanslick, a abordagem dos problemas estéticos ligados a música se dar de forma fundamentada e séria, na letra de Fubini “ Em Hanslick, temos a concisão do técnico, a frieza analítica do estudioso, a precisão de linguagem de quem esta acostumado a examinar problemas bem definidos”3.

Antes de entrarmos no ideário de Hanslick é pertinente antes contextualizá-lo. Hanslick é um típico individuo da sociedade dos fins do século XIX, sua postura Positivista e Formalista é consoante com o pensamento cientifico da época - temos inúmeros exemplos como Johann Friedrich Herbart no formalismo lógico; Benedetto Croce e os russos Vladimir Propp, Mikhail Bakhtin no formalismo estético -, esta tendência encontra-se posta já na segunda pagina de Do Belo Musical, onde o autor escreve:
“ O impulso a um conhecimento o mais objetivo possível das coisas, que em nossa época agita todos os campos do saber, deve necessariamente também passar pela investigação do belo ”.
4
Apesar das teorias formalistas possa soar datadas, o texto de Hanslick é importante, pois aborda uma questão basilar da Música, a saber, a possibilidade de comunicação desta (entenda-se aqui comunicação como a transmissão de conteúdos), como também a antípoda desta possibilidade, sendo esta ultima defendida nesta texto.

Do Belo Musical.

Do Belo Musical é a principal obra literária de Hanslick, é um ensaio sobre a apreciação do belo em música. Nele Hanslick defende a idéia que a música não representa nenhum conteúdo, a não ser idéias puramente musicais, e que o belo musical não esta ligado a emoções supostamente despertas pela música, e sim ligada apenas a manipulação artística dos sons. O autor rejeita, assim, o uso do sentimento como categoria da estética musical, e argumenta que o princípio do Belo na música não esta na capacidade de despertar ou produzir sentimentos, e sim em seu próprio material. Ao defender esta tese Hanslick não negar que tais efeitos existem, porém coloca que estes não constituem a essência da música.5

A Proposição e a oposição.

Na primeira parte do texto Hanslick expõem sua idéias em relação a formalização de uma investigação estética musical pautada sobre princípios científicos, e não sobre sistemas subjetivos, que de acordo com ele pouco esclarecem sobre o valor estético da música. O autor defende que a investigação sobre o valor do belo deve iniciar-se sobre o objeto belo e seus materiais, e não sobre os prováveis sentimentos e sensações provenientes da apreciação deste. Hanslick cita os estudos nas áreas da literatura e das artes plásticas como exemplos deste tipo de investigação.

Adiante, temos dois momentos onde o autor em suas próprias palavras, defende as teses acima colocadas, Hanslick escreve que a investigação do belo “ ...esta se atém ao postulado de que, em qualquer arte, as leis do belo são inseparáveis das propriedades de seu material, de sua técnica ”6.

E que a partir deste principio:

“ ... as estéticas das artes literárias e plásticas, assim como a aplicação pratica, as críticas de arte, já se encarregam de estabelecer a regra segundo a qual, nas pesquisas estéticas, a primeira coisa a ser estudada é o objeto belo e não o sujeito dotado de sensações “7.

O autor discute que a música ainda encontrava-se atrasada em relação as investigações estéticas, pois os estudos em musica encontravam-se rigorosamente separados entre os estudos de regras teórico-gramaticais e lírico-sentimentais, ele coloca que esta separação impossibilitam a concretização da investigação estética proposta do Hanslick.

O autor afirma que esta situação se dá por causa de uma concepção errônea ( de acordo com o autor ) e dominante, na qual a música é colocada na condição de ter de lidar com os sentimentos, de acordo com Hanslick, neste conceito o sentimento desempenha dois papeis, sendo o primeiro como ser o objetivo ultimo da música, e segundo como conteúdo a ser representado pela música.
O autor refuta escrevendo que “ O Belo não tem absolutamente nenhuma objetivo; ele é, de fato, pura forma, que pode ser utilizada com os mais diversos objetivos, de acordo com o conteúdo que ela desempenhe, mas que em si não temo outro objetivo senão esse mesmo”
8 , o autor escreve que o sensação de prazer do contemplador do belo não diz respeito ao belo enquanto tal, a sensação de prazer nada tem haver coma beleza do objeto contemplado, pois este continuará belo mesmo não suscitado nada ou mesmo sem ser seque visto?

Neste momento é propicio expor as definições dadas pelo autor para três conceitos que serão largamente utilizados dentro de sua argumentação, assim listaremos este conceitos a baixo:
Fantasia: de acordo com Hanslick é um instrumento especifico da arte, onde através dele a contemplação de uma obra de arte se dá a partir do intelecto, assim guiando esta contemplação por representações de juízos.

Sentimento: é o conscientizar-se de um encorajamento ou impedimento de nosso espirito, por conseguinte, de um estado de bem- ou mal-estar.

Sensação: é um percepção de uma determinada qualidade sensível: cor; sabor ou som.
Após delimitar estes conceitos, Hanslick para pelo exame argumentativo destes, e de como eles trabalham na criação do prazer estético, de acordos com o sistema que ele critica.

O auto defende que para quando percebemos algo com nossos sentidos temos a sensação de qualidade deste objeto, por outro lado o sentimento é um exaltar de forma visível de nosso esta de espirito habitual. Hanslick escreve: “ O belo toca , em primeiro lugar, nossos sentidos. Este caminho não lhe é exclusivo...A sensação é início e condição para o prazer estético e constitui base do sentimento” porém “ Para provocar sensações não há a necessidade de arte: um único som, uma única cor pode fazê-lo ”9, o autor escreve que os conceitos de sensação e sentimento são freqüentemente confundidos ou utilizados de forma arbitraria, assim sendo, ele escreve “...aqueles escritores - , (que) a música de provocar sentimentos e impregnar-nos alternadamente de devoção, amor, júbilo, melancolia ”10 , dito isso o autor coloca que nenhuma arte possui a finalidade de despertar sentimentos e sim apenas o belo, aqui ele expõem sua principal propositura quando em relação ao que seria as bases reais para uma investigação estética: “ A arte deve, antes de tudo, representar um belo. O meio pelo qual se entra em contato com o belo não é o sentimento, mas a fantasia, enquanto atividade de pura contemplação. “ dito isso Hanslick defende a fantasia como instrumento tanto da apreciação como da investigação estética, e coloca que a fantasia não deve ser vista apenas como um simples forma de contemplação, e sim como uma contemplação com o intelecto.
O autor esclarece que aqui a palavra contemplação deve ser entendida como “ ato de escutar com atenção, que consiste num observar sucessivo das formas sonoras ”11 , ele afirma que o intelecto ira reagir de forma lógica (segundo o autor) ao belo, assim concedendo a este um verdadeiro juízo de valor estético. Porém em um invés contrario a esta proposta de Hanslick, onde o sentimento predomina sobre o intelecto no tocante a apreciação, o autor passa a considera este expediente Patológico.

Podemos neste momento afirmar que a principal propositura de Hanslick inicialmente neste texto é; tentar sistematiza a pesquisa estética no campo da música pautado enquanto instancia estética a fantasia e não o sentimento, ele trata esta premissa como ponto-chave de sua proposta, pois esta reage diretamente contra a “patologia sentimental” na qual se afirma a possibilidade da música em serenar o espirito, sobre isso o autor escreve “ ...muitas vezes ao falar não se sabe de fato se estão falar de música como de um instituição policial, pedagógica ou médica ” . Hanslick entende que este pretenso efeito sobre o espirito nada tem de prazer estético, pois o deixar guia-se pelas sensações na apreciação da outra de arte, revela apenas o desconhecimento da matéria musical.

Hanslick admite que a música exerça sobre o apreciador uma tendência de exalta suas emoções imediatas, mas ele coloca que esta faculdade não é uma particularidade da exclusiva da música.

“ Concluímos, portanto, que as demais artes também têm um efeito bastante forte sobre nosso sentimento. A proclamada diferença entre elas e a música deveria basear-se então, numa maior ou menor intensidade desse efeito ”.

E mais a frente completa:

“ Se considera, porém que a música atua ‘imediatamente’ sobre o sentimento, e as outras artes, por suas vez, só com a mediação de conceitos, mais um vez, se esta cometendo um erro com outras palavras, porque, como vimos o belo musical também se ocupa dos sentimentos, só que em segunda linha, enquanto age imediatamente sobre a fantasia ”.

O autor conclui escrevendo que:

“ Toda a obra de arte estabelecerá uma relação qualquer com nosso sentimento, mas nenhuma relação exclusiva ”.

Este ponto é importante se ter em mente, pois é apoiado nele, que Hanslick irá pautar sua critica sobre a estética romântica dos sentimentos. Pois de acordo com ele esta nulidade de identidade especifica da relação da obra com o sentimento, em nada corrobora com a avaliação estética da música, por ser esta no seu entender, um terreno movediço, assim toma a investigação estética como a busca o efeito secundário e indeterminado da música é um erro. Assim o sentimento não deve ser tomado como base para leis estéticas, pois Hanslick sentencia que isso “ contrária à garantia do sentir musical ”.
Sobre isso ele completa “ Não estamos referido-nos unicamente à convencional parcialidade, que possibilita ao nosso sentir e a nossa imaginação, através de textos , títulos e outras idéias meramente ocasionais ”, Hanslick coloca que os sentimentos provocados por um peça musical não são causais, pois os sentimentos despertos dependem de experiências e impressões particulares do evento musical. A seguir exemplifica a que os conceitos ligados as obras musicais são extemporâneos, e volta a afirmar que o efeito da música sobre o sentimento não é exclusivo, por isso este fenômeno não deveria se elevado a principio estético. O autor reconhece a existência de tais fenômenos, mas ele coloca que o despertar estes não pode ser o objetivo ultimo da música enquanto arte, então Hanslick formaliza seu protesto e ironia:

“Somente protestamos contra a utilização desses fatos por princípios estéticos. Prazer e dor podem ser despertados pela musica em alto grau – está correto. Mas o prêmio de loteria ou a doença fatal de um amigo também os podem provocar num grau talvez mais elevado? ”.
Critica.

No segundo capitulo, de seu ensaio Hanslick inicia de forma mais aguda a sua critica, utilizando de uma argumentação aguda, com objeto de assinalar a efemeridade da estética romântica dos sentimentos, assim ele procura desestabilizar, ele trata de apontar a impossibilidade da música em expressar de forma particular um conteúdo ou sentimento. Hanslick irá defender que a música tem a capacidade apenas de emular idéias externas ao individuo, através de idéias análogas com o movimento da própria musica, porém, Hanslick reforça que apesar destas analogias, o conteúdo da música continuará a sendo composto unicamente de seu próprio material, ou seja, o som e suas particularidades qualitativas e quantitativas.

A via argumentativa da critica de Hanslick, tem inicio colocando em xeque a afirmativa romântica da música como expressão dos sentimentos, o autor expõe que expressões artísticas como a poesia e a as artes plásticas, em um conteúdo que pode ser expresso em conceitos através das palavras (linguagem comum). No domínio da música este processo não é efetivo, assim segundo o autor, os estetas românticos na tentativa de reconhecer na música faculdades que esta pudesse expressa, designaram a “escala de sentimentos” como conteúdo a ser reconhecido na música, desta forma eles acreditaram ter descoberto a contraposição à precisão conceitual das outras artes, assim apontando a diferença entre a música e a poesia e as artes plásticas. Hanslick a seguir, expõem que com isso a concatenação artística dos sons, passa a ser apenas um meio para expressão dos sentimentos, que de acordo com aqueles estetas são o conteúdo da música, porém em seguida, Hanslick protesta afirmando que este pensamento é falso e que esta for à do domínio da música tal possibilidade de expressão de um determinado sentimento:

“ …os sentimentos não estão isolados na alma a ponto de poderem ser extraídos de dentro dela por um arte, à qual é vedada a representação de outras atividades espirituais ”.

E completa explicando porque é um absurdo a possibilidade da música poder suscitar um sentimento em particular, ele o faz “explicando” o processo de como uma sensação qualquer pode ser identificada como um sentimento em particular. Hanslick questiona o que faz um sentimento se torne um sentimento determinado, ele defende que apenas através de representações de juízos que nosso espírito determina que tipo de sentimento esteja sentindo, esta afirmação é assim exemplifica:

“O sentimento de esperança é inseparável da representação de um estado futuro mais feliz, que se comparado ao presente ”, e completa “ Estas são representações muito determinadas , conceitos: sem eles, sem aparato conceitual, não pode chamar a sensação presente de ‘esperança’ ou ‘ melancolia’; é esse o aparato conceitual que torna determinada ”.

Assim Hanslick sentencia a impossibilidade da representação dos sentimentos como conteúdo e objeto ultimo da música, o autor, entretanto, escreve que apesar da condição da música apresentada por ele, esta não é totalmente incapaz de representar idéias, a música pode representar um determinado circulo de idéias, porém todas esta exclusivamente musicais, o autor entende por idéias musicais aquelas ligadas aos fenômenos acústicos passiveis de percepção, a saber, as variações ligadas ao volume, movimento e timbre.

Na pena de Hanslick esta idéia é assim desenvolvida:

“ A expressão estética de uma música pode, alem do mais, ser chamada de graciosa, suave…tantas idéias que, nas relações sonoras, encontram correspondente manifestação sensível. Por esse motivo, podemos empregar espontaneamente esses adjetivos, nas composições musicais, sem pensar no significado ético que têm para a vida psíquica do ser humano, e que acarreta de imediato à música uma habitual associação de idéias, mas que se costuma confundir particularmente com as qualidades puramente musicais ”.

Em seguida, o autor desenvolve a idéia, que, apesar de que todas as idéias expressas em musica são exclusivamente musicais, a música como fenômeno concreto alude a conceitos genéricos, assim sendo, este ‘idealismo’ desenvolvido, pode atingir o grau de idéias absolutas. Contudo estas idéias continuaram sendo completamente abstratas em música, assim a emulação de conceitos complexos, mesmo pautados sobre idéias associadas analogicamente as idéias de movimento em música também é impossível.

“ A poesia e as artes plásticas também representam em primeiro lugar uma coisa concreta. Só indiretamente a imagem de um florista pode aludir à idéias mais generalizadas da alegria e da simplicidade virginal…”.

A despeito disso Hanslick volta a afirmar que existem idéias que podem ser expressas em música, porém como já colocado, estas são puramente musicais, sendo que estas não podem apresentassem como sentimento.

Reproduzimos aqui o trecho completo do texto, para assim demonstrar de forma completa com Hanslick desenvolve sua afirmativa, respondendo a questão sobre o que a musica pode representar.

“Somente o própria dinâmica. A música pode reproduzir o movimento de um processo psíquico segundo diversos momentos: presto, adagio, forte piano, crescendo, diminuendo. O movimento, porém não é só um particularidade, um fator do sentimento, não é o sentimento mesmo. Em geral, acredita-se estar restringindo satisfatoriamente o poder de representação da música ao se afirmar que ela não pode caracterizar de modo algum objeto de um sentimento, mas o sentimento mesmo; por exemplo, não o objeto de um determinado amor, mas o ‘amor’. Na verdade, nem mesmo isso ela pode. Não pode retratar o amor, mas só um movimento que pode haver no amor ou também um outra emoção, mas que não seja o essencial de seu caráter ” . E completa adiante, “ Mas tampouco a idéia de amor, de ira, de medo podem ser representadas na musica instrumental, pois entre aquelas idéias e essas belas combinações combinações sonoras não há nenhuma relação necessária ”.

Hanslick enxerga que o movimento, é uma faculdade negligenciada nas investigações estéticas dos seus contemporâneos, quando esta deveria ser a agulha que guia tanto a apreciação, quanto a investigação estética da música.

O autor passa a tratar das representações simbólicas dos estados de animo através da música, o autor argumenta que assim como ocorre com as representações simbólicas através das cores, os sons no momento que são manipulados, não tem como manter a identidade que lhes é associada por algum determinado ‘sistema simbólico’ , e exemplifica:

“Assim como, num quadro histórico, um vermelho qualquer não significa para nós alegria…numa sinfonia , um tom qualquer em lá bemol maior não despertará em nós um estado de espirito entusiástico…” e completa “…Essa relação natural esta muito longe de um exprimir ou de um representar. Demos a ela o nome de ‘simbólica’, pois não representa de imediato o conteúdo, restando, porém uma forma essencialmente diversa dele ”, ainda há espaço para alfinetar Wagner “ …Por conseguinte, nnao se pode dizer que um acorde represente por Is mesmo um sentimento determinado, e muito menos que o faça concatenado com a obra de arte ”, referencia clara ao leitmotiv wagneriano.

Assim o autor conclui seu raciocínio quanto à questão do que a música pode expressar, e completa afirmando que, tudo quanto dito se refere a música instrumental, pois só esta pode servir de exemplo para a analise das as características essenciais da música. Pois de acordo com Hanslick, na música vocal, a música é adaptada a poesia e vice-versa (um gênero hibrido), assim esta não é música pura, sendo assim, a investigação estética desta segue por outro viés, diferente a música instrumental. A despeito disso, ele afirma que “numa composição vocal, não são os sons que representa um conteúdo, mas o texto ”, desta forma Hanslick volta indiretamente a defender seu conceito-chave. Hanslick também coloca que em alguns casos quando dissociamos a musica da poesia, um desta continuará sendo objeto belo e outra não. Nestes casos a música prova sua independência ou dependência do texto poético, sendo esta situação idêntica para o texto.

Outro ponto tratado por Hanslick é o que ele chama de ‘pintura musical’, ou seja, a representação de fenômenos externos através da música, ele questiona a máxima romântica na qual a música não pode imitar um fenômeno externo ou da natureza, mas os sentimentos por ele suscitados, Hanslick coloca:

“…É exatamente o contrário. A música só pode imitar o fenômeno exterior, jamais o sentimento especifico que ele nos provoca. Posso pintar o cair da neve…porque produzo impressões acústicas análogas, aparentadas pela dinâmica desses fenômenos. Mediante a altura, intensidade, velocidade e ritmo dos sons, proporciona-se ao ouvido uma figura cujo impressão acústica tem determinada percepção visual aquela analogia que pode existir entre sensações de natureza diversa ”12.

O autor justifica esta possibilidade, explicitando que, a percepção sensível pode ser ampliada para assim suprir uma outra faculdade sensível (ação vicária), desta forma emulando a impressão de determinado fenômeno externo. Em música de acordo com o autor isso é possível através das propriedades acústicas do movimento e ocupação do tempo e espaço, porém este reconhecimento é apenas possível com ajuda de uma sugestão conceitual (um título ou nota de programa), mas este pintar não é objetivo da música instrumental, nem tão pouco pode lhe conceder maior ou menor valor estético.

1 FUBINI, Enrico. La Estetica Musical Del Siglo XIX a Nuestros Dias.
Barral Editores – Barcelona – 1971. Cap. 3. 137 pp.
2 FUBINI, Enrico. La Estetica Musical Del Siglo XIX a Nuestros Dias.
Barral Editores – Barcelona – 1971. Cap. 3. 138 pp.
3 Idem.
4 HANSLICK, Eduard. Do Belo Musical. Editora Unicamp – Campinas - 1989. Cap. 1. 14 pp.
5 É importante ressaltar que Hanslick irá se limitar em sua abordagem a música instrumental a partir do barroco tardio.
6 HANSLICK, Eduard. Do Belo Musical. Editora Unicamp – Campinas - 1989. Cap. 1. 14 pp.
7 HANSLICK, Eduard. Do Belo Musical. Editora Unicamp – Campinas - 1989. Cap. 1. 15 pp.
8 HANSLICK, Eduard. Do Belo Musical. Editora Unicamp – Campinas - 1989. Cap. 1. 16 pp.
9 HANSLICK, Eduard. Do Belo Musical. Editora Unicamp – Campinas - 1989. Cap. 1. 17 pp.
10 Idem
11 HANSLICK, Eduard. Do Belo Musical. Editora Unicamp – Campinas - 1989. Cap. 1. 18 pp.
12 aqui temos uma situação confusa na argumentação de Hanslick, pois ele cai em contradição, pois para poder a “pintar” os fenômenos externos, e para que esta “ação pictórica” tenha sucesso, se faz necessário um conteúdo externo a musica, para esta pode dar sentindo, e chamar atenção para emulação do fenômeno externo que nela se opera. Ele nega este expediente, porém aponta que este é possível em música.

Umas poucas palavras sobre os Suno IA da vida e o apocalipse musical.

Aviso: esse texto contém ironia e é uma opinião pessoal incapaz de qualquer ingerência sobre a realidade... Mas já que eu tinha tempo livre ...