quarta-feira, 26 de março de 2008

Trapeze – You are the music...We’re just the band – 1972.

Como também de rock vive o homem, resolvi desta vez falar sobre este belo álbum de hardrock e de carona mostrar uma pouco do que gosto de chamar de escuta ativa.
É até repetitivo dizer que a Era de Ouro do hardrock foram os anos setenta, não apenas por suas bandas clássicas [Led Zeppelin; Deep Purple; Black Sabbath; Grand Funk Railroad e Humble Pie], mas por bandas que duraram pouco, mas que produziram álbuns excelentes [Cactus; Beck, Bogart & Appice; Captain Beyond; Jam Ram]. Pois bem, aqui temos uma destas pérolas.

O Trapeze não foi apenas mais um grupo promissor que após tocar por algum tempo e gravar um ou dois álbuns sumiu na poeira dos anos setenta. Este power-trio foi formado por músicos que participaram de bandas e, principalmente, de álbuns que influenciaram e fizeram a história do estilo. O Trapeze era formado por: Glenn Hughes, no baixo e vocal; Mel Galley, na guitarra; e Dave Holland, na bateria. Para quem não conhece estes senhores pelo nome deve conhecer [ou deve ter ouvido] seus currículos. Hughes veio a substituir Roger Glove no baixo do Deep Purple e gravou álbuns para lá de clássicos, como: "Burn", "Stormbringer" e "Come Taste The Band". Holland foi o baterista do Judas Priest nos álbuns "British Steel" e "Screeaming for Vengeance". Já Galley gravou com o Whitesnake nada menos que o "Slide it in". Para quem conhece e gosta de hardrock sabe o peso destes álbuns para o estilo.

O álbum "you are..." é um trabalho despretensioso e despojado, mas isso é só aparência. O Trapeze foi produzido por Neil Slaven [produtor muito bem articulado na época] que os cercou de músicos como BJ Cole [Steel guitar] e Rod Argent [piano e teclados], que emprestaram seu talento nos belos arranjos. Particularmente, acredito que "you are..." foi um trabalho pensado para ser o grande álbum e lançar o Trazepe para as cabeças. Contudo, aconteceu ao Trapeze o mesmo que acontece com as boas equipes de futebol da América latina, ou seja, quando acaba a campanha vencedora, estas equipes são desmontadas e seus jogadores são vendidos para equipes maiores da Europa. Na década de setenta, era uma prática comum os músicos mudarem de banda com a mesma naturalidade que hoje os atletas mudam de clube [um bom exemplo disso é a trajetória do vocalista Paul Rodgers].

Para ser sincero, "you are the music..." não traz nenhuma inovação para o estilo, ele é simplesmente um bom álbum de hardrock. Isso é ruim? Acredito que não, pois pensem comigo, um álbum de Rock para ser bom não precisa ser inovador e sim ter boas canções, [e esta estória de que os álbuns precisam ser inovadores para serem bons, nada mais é que marking]. Principalmente hoje em dia, que vivemos a chamada fase "torcicolo", assim batizada por Scandurra, conceito interessantíssimo e acho que merece um texto qualquer dia destes [o que vocês acham?]. Acho que este álbum tem canções bem construídas e que valem ser observadas. Um aspecto interessante da sonoridade do Trapeze é a aproximação da banda com a blackmusic, isso é bem claro não só na voz de Hughes, mas no swing rhythm’n’blues de várias canções, isso traz para as composições da banda elementos interessantes que produzem uma boa variedade na sua música.
A faixa de abertura do álbum é "keepin’ time" que é a faixa mais Rocker. Logo de cara, Holland mostra a pegada que será, mais tarde, marca registrada no Judas Priest, seguido dos vocais rasgados e num registro agudo de Hughes, tudo sobre os riffs de Galley. Sim, temos uma abertura demolidora, mas como diz o ditado: nunca gaste sua munição no começo da batalha.
Após o primeiro verso, temos a introdução do refrão, nessa passagem temos uma estratégia bem comum de variação, contudo muito prática, a banda toda desacelera [o movimento harmônico da guitarra e do baixo], ao invés do riff temos agora acordes soando, assim criando outro "ambiente" sonoro para o refrão. Logo em seguida, ainda temos os mesmos acordes soando, mas só que agora com tons de clímax, ou seja, temperados com mais tensão e volume [distorção na guitarra; agressividade no vocal e ataques na bateria]. Após o refrão, temos um intermezzo instrumental para em seguida termos a repetição da fórmula descrita acima. Simples? Sim! Funcional? Muito! Se fôssemos esquematizar a forma de "keepin’ time" poderíamos fazer rapidamente da seguinte maneira: primeiro dividindo os seguimentos da forma: I = introdução; A = verso 1; B = refrão de sonoridade mais suave; C = refrão clímax; D = intermezzo instrumental; D+S = intermezzo instrumental com solo de Galley. E, finalmente, desenhando a forma: primeira parte [I;A;B:C;D]; segunda parte [I;A;B:C;DS - final]. Claro que não tão simples assim uma música funcionar, também há que se levar em consideração muitos fatores, como melodia [métrica, altura]; harmonia; arranjos [variações; timbres], até mesmo a qualidade dos músicos que estão tocando. Mas podemos observar que as coisas não são feitas assim tão intuitivamente. O que gostei nesta música foi exatamente esta simplicidade de forma, e também a maneira que os poucos elementos nela contidos são bem manipulados. Se formos observar bem a guitarra, por exemplo, tem apenas [a grosso modo] três momentos básicos na estrutura da canção: o riff que está na introdução e no momento que são cantados os versos; os acordes que ficam soando no refrão; e uma pequena frase que fica se repetindo no intermezzo como base para os solos. Já os solos, os arranjos de slide guitar, e as demais guitarras gravadas como efeito, são arabescos sobre esta estrutura. Para o ouvinte desavisado até parece que temos mais elementos, mas não temos, esta impressão é causada pela manipulação destes elementos dentro da canção.

Este tipo de escuta ativa é "boa e má" ao mesmo tempo, pois quando passamos a aplicá-la, muita coisa que gostamos se torna chata, em compensação, abrimos um universo de possibilidades amplo. E como vimos não é necessário nenhum tipo de "conhecimento" musical, e sim apenas atenção.

Outra canção que apresenta uma forma muito interessante de ser observada é "feelin’ so much better". Bom "feelin’..." é uma canção sem solo e introdução e com várias repetições do refrão sem de se configurar hardrock. Ela se inicia diretamente com o primeiro verso, depois do segundo verso temos o refrão [com belos e estridentes backvocals], e se espera agora que teremos algum intermezzo com um riff ou solo, desista, pois novamente teremos mais um verso e o 2º refrão. Só depois disso temos um rápido intermezzo instrumental, que se configura mais como uma passagem para o final do que uma seção nova na canção. Ao fim do intermezzo voltamos com o refrão que se repete quatro vezes. Mas o que me faz afirmar que "fellin’..." é hardrock e não pop? Bom ela traz elementos comuns ao estilo hardrock, como a construção do acompanhamento com powerchords e rítmica adotada no acompanhamento, além disso, temos a forma que Hughes canta, bem de acordo com os vocalistas do estilo nos anos 70 e, finalmente, algo bem mais subjetivo, algo que alguns chamam de pegada ou energia.

Estas observações de estilo também fazem parte de nossa escuta ativa, observar aspectos estéticos usados em uma canção. Os elementos estéticos de uma canção podem ser desde a temática abordada na letra à forma que ela é interpretada, os timbres dos instrumentos e vocais, andamento, melodia, harmonia, ou seja, uma série de elementos que podem ser musicais ou poéticos e, às vezes, performáticos. Bom, vale também ter consciência de que muitas vezes todos estes aspectos podem ser desconsiderados e elegermos outros para definir uma estética de um estilo ou banda.

Bom pessoal escutem "you are the music...we’re just the band", pois a melhor forma de saber se um álbum de rock é bom é usando o bom e velho ouvidômetro.

Abraço a todos.

Onde Encontrar o Trapeze?

http://br.youtube.com/watch?v=Fxv9S1u54sY&feature=related

http://br.youtube.com/watch?v=HyWCrl0WFT0


Umas poucas palavras sobre os Suno IA da vida e o apocalipse musical.

Aviso: esse texto contém ironia e é uma opinião pessoal incapaz de qualquer ingerência sobre a realidade... Mas já que eu tinha tempo livre ...